Dito e escrito
Dito e escrito
Como amante árdua delas todas, eu sou obrigada a discordar daqueles que insistem em dizer que palavras não são nada. Elas podem ser tudo, o tempo todo. E se incidirem nas correntes da mentira, elas não se tornam mais feias; continuam fortes e cheias de seus próprios poderes e, ainda, continuam cumprindo aquilo de descrever a essência de seus criadores.
Meu sonho era saber dizer o significado de todas aquelas palavras abstratas, sem decorrer ao abstrato. Mas minha alma me faz assim, o abstrato torna-se o melhor amigo. Só com ele consigo entender as palavras, os sentimentos, o mundo e as comparações. Em um mundo onde o abstrato intocável confunde-se com coisas irreais através da própria palavra (já que em ambas não podemos tocar), é de uma riqueza sensacional tocar a realidade abstrata e a irrealidade com os sons, as letrinhas, aquelas sílabas organizadas pela própria espécie. E até com o sentimento. E discernir essas irrealidades absurdas das abstrações maravilhosas que o mundo, a Natureza, ou sabe Deus quem nos deu... é mágico. Digo o 'sabe Deus quem' por maneira de falar, porque, com certeza, não sabe.
Tento pôr minha realidade no papel ou na tela do meu notebook e juro que me surpreendo, quando consigo colocar os sentimentos aqui. Mexendo os meus mínimos dedinhos em movimentos frenéticos, coloquei o filho da minha essência e Pai do meu corpo, em uma letra que não consigo tocar. Vai ver, por isso é mais fácil pôr os sentimentos aqui do que no papel, eles não são muito fãs de toques, são abstratos, oras.
Mas naquela minha mania de passear com a brisa nos dias frios, um dia me perdi nos olhos de alguém. E percebi que, se sentimentos fossem mesmo intocáveis, o meu estômago não ia gelar daquela maneira. Porque, sinceramente, não tenho o costume de colocar blocos de gelo na barriga, mas não custava conferir: vi que meus pés, menores e mais leves, estavam a ponto de caber nas nuvens... e em cada uma. Hora por hora, deslizava por elas enquanto parada.
Isso por causa de uma pessoa ou de um sentimento? Só sei que podia ver o quanto ela estava brilhando, mesmo de olhos fechados. E quando os dela se fecham, a melodia que soa dos céus parece mais doce. Por que eu não tenho esse poder também?
Gostei de ver que a Lua concreta estava presente abstratamente em nós dois e te confesso minha eterna queda por ela. Quem se importa? Se eu preferisse o Sol nesse momento, morreria. Porque eu estava tocando a plenitude. E achando que era o céu. Eu não sou fã de me iludir, muito menos de acreditar em coisas irreais: mas tudo aquilo era real. Então, graças ao abstrato, naquele momento eu era o céu, e sou. Como não se apaixonar por sílabas que descrevem as coisas mais ricas e valiosas do universo? Como não se apaixonar pelo abstrato e pelo sentimento que te torna células de amor? ...