Passagem
Às vezes a vida assume um aspecto surreal, mais lembra uma passagem, um manuscrito inédito de Ondine, uma prosa bêbada bukowskiana, bretoniana. No cotidiano as vozes explodem em confusão de sentidos. Nessa sinfônica confusão, nessa babélica orquestra, o que grita, o que berra, o que rasga o peito de cima em baixo feito Janis Joplin ganindo um blues psicodélico num pôr-de-sol agônico, é a própria verdade, verdade camuflada em risos, em lágrimas, em mentiras, em blagues, em lapsos, em náusea. Estão todos dissimulando e não sabem, ou sabem. Cada palavra é uma revelação. Os que disfarçam apenas assoviam, mas o sentido se explicita, mesmo no silêncio. Um único silêncio pode destruir uma cidade como essa (Belo Horizonte).
Vagner Rossi