Que tal um café?

Que tal um café?

Você aceita, entra, fala em tom de aviso que continua preferindo descafeinado, puxa uma cadeira e senta. Eu sento bem na sua frente, você ergue as sobrancelhas, eu olho para a toalha, desvio nossos olhares um do outro de todas as maneiras possíveis. Nos perguntamos sobre coisas superficiais. Comento sobre a conhecida que faleceu, você me pergunta sobre o trabalho, lembramos que o caminhão do lixo passa hoje. Calmamente sirvo o café. Você sorri, nós sorrimos, ainda que em silêncio. Alguém pergunta sobre a vida em geral, eu te conto as mudanças que sofri e, lentamente, levo-te a incluir-me outra vez em tuas histórias e lembranças, comentadas ali, diante do café que ainda ferve. Disfarçadamente você tenta me lembrar do passado, assim, entre uma tosse e outra. Aí a borda quente da xícara queima meus lábios e eu solto um 'ai' baixo. Sorrimos. A conversa se estende, quase imperceptível, deliciosamente, aos poucos porque é melhor assim. A vida inteira não cabe em uma xícara, então sirvo-te mais café, que a tal altura da tarde desce pela garganta como se fosse algo mais forte, quase embriagável para você, mesmo que eu não tenha colocado ali mais do que boas segundas intenções. E aí já não é mais possível desviar os olhares.

Entre, tome um café.

Denise Cassanego
Enviado por Denise Cassanego em 17/06/2010
Código do texto: T2324314