O último sermão de Buda
Horas antes de sua morte, deitado no meio do bosque de Kushinagara, Buda dirigiu a palavra a seus discípulos:
Ó discípulos! Após minha morte, deveis vos guiar pelos Preceitos. Eles devem ser como a luz no meio das trevas, como um tesouro encontrado por um pobre. Isso porque os Preceitos são vosso mestre. Guiar-se por eles é o mesmo que se guiar por mim.
Vós que guardais os preceitos, disciplinai vosso corpo, tomai as refeições nas horas certas, vivei em estado de pureza. Não tomeis parte nos negócios mundanos, não recorrais a formulas mágicas, não fabriqueis elixires miraculosos, não vos aproximeis de nobres e não tomeis atitudes para com outrem condicionadas por sua riqueza ou pobreza. Guardai uma mente correta, tende pensamentos corretos e sede comedidos. Não recorrais a prodígios para seduzir as pessoas. Quando receberdes presentes, observai sempre o comedimento.
Os preceitos são a fonte da libertação. Dos preceitos saem os diversos estados de meditação e a sabedoria que leva ‘a cessação do sofrimento.
Por isso, ó monges, guardai os preceitos e esforçai-vos para jamais violá-los. Se conseguirdes guardar bem os preceitos, disso resultará a boa lei. Se não, não aparecerão os méritos decorrentes da prática das boas ações (...).
Ó monges, vós permaneceis na prática dos preceitos. Por isso deveis disciplinar vossos cinco sentidos, jamais permitindo o surgimento dos cinco desejos. (desejo de se alimentar, de dormir, desejo sexual, de obter fortuna, de conseguir honrarias e fama). Assim, como um pastor domina o gado com o seu cajado, não permitindo que os animais invadam plantações, deveis guardar a máxima vigilância. Abandonar os cinco sentidos ao sabor de seus caprichos é como deixar um cavalo indômito sem rédeas. Tal cavalo arrasta as pessoas e as derruba dentro de buracos. O prejuízo causado por um cavalo atinge apenas o presente, mas o causado pelos cinco sentidos atinge inclusive o futuro. Por isso deveis evita-lo. O sábio vigia seus cinco sentidos como a um ladrão; jamais se descuida deles. Mesmo que se descuide por um instante, logo readquire o controle.
A mente é senhora dos cinco sentidos. Por isso deveis disciplinar vossa mente. A mente é mais perigosa que uma cobra venenosa, uma fera ou um salteador. (...) Se deixardes vossa mente entregue a si mesma, perdereis as boas coisas. Se a vigiardes, tudo correrá bem. Por isso, ó monges, deveis vos esforçar e dominar vossa mente.
Ó monges, deveis tomar vossas refeições como se elas fossem remédios. Quer quando comeis coisas deliciosas, quer quando comeis coisas desagradáveis, jamais devereis sair da proporção certa. Comei o suficiente para vos manterdes.
Recebendo dádivas alheias, tomai apenas um mínimo para eliminar vossas dificuldades. Não desejeis demasiado, a fim de não romper a boa disposição de vossas mentes.
Ó monges, ainda que alguém vos fira, sede pacientes, não tenhais cólera ou ódio. Guardai vossa boca para não proferir palavras ferinas. (...) Aquele que bem pratica a paciência merece ser chamado um forte. (...).
Os prejuízos causados pela cólera destroem as boas leis. (...) Nem os ladrões que nos roubam os méritos são tão terríveis como a cólera. Os próprios leigos devem se abster da cólera. (...)
Ó monges, quando em vós se manifestar o orgulho, este deverá ser imediatamente extirpado. (...)
Ó monges, a lisonja está fora do Caminho, por isso vós devereis ser sempre sinceros.
Ó monges, aquele que tem muitos desejos busca muitas vantagens e por isso tem muitos sofrimentos. (...) Por isso, aquele que tem poucos desejos alcança o Nirvana (nome dado ao estado de libertação ou iluminação).
Ó monges, se desejais a libertação do sofrimento, deveis aprender a vos contentardes com o razoável. (...) Por isso, aquele que sabe se contentar com o razoável é rico, mesmo sendo pobre (...).
Ó monges, se quiserdes procurar a calma, o desprendimento e a paz, deveis abandonar os lugares cheios de gente e viverdes isolados.
Ó monges, se vos esforçardes, nada será difícil. (...)
Ó monges, se desejais a sabedoria e a boa ajuda, deveis ter uma intenção inquebrantável, pois esta afasta as paixões e as ilusões. (...) Aquele que tem intenções firmes não é prejudicado, mesmo estando no meio desses salteadores que são os cinco desejos. (...)
Ó monges, todo aquele que tem uma intenção firme, conserva sua mente em estado de concentração. Por isso, ele sabe os Darmas do nascimento e da dissolução do mundo. (...). Aquele que consegue praticar a concentração não tem uma mente dispersiva. (...). O praticante exercita-se na concentração a fim de bem guardar a água da sabedoria.
Ó monges, se tiverdes a sabedoria, não tereis apego. (...) A sabedoria é um navio seguro para a travessia do oceano da velhice, da doença e da morte. É uma luz no meio das trevas, é um elixir que cura todas as doenças, é um machado que corta as árvores das paixões. (...)
Ó monges, deveis evitar as estéreis discussões teóricas. (...)
Ó monges, deveis vos afastar de toda a negligência, como aquele que se afasta de salteadores. (...)
Ó monges, não vos entristeçais. Ainda que eu permanecesse no mundo durante milhares de anos, isso não me livraria da morte. Tudo o que se reúne, não escapa ‘a separação. Já foram ensinados todos os darmas (...). Ainda que eu permanecesse vivo, nada mais teria que fazer. Todas as pessoas que eu devia ensinar já foram ensinadas. (...)
Deveis saber que no mundo nada existe de permanente. Tudo o que se reúne não escapa ‘a separação. (...) O mundo é algo perigoso e incerto, sem nada de estável. Eu agora alcançarei a extinção como aquele que se livra de uma moléstia maléfica. Vou deitar fora o pior dos males, aquilo que se chama corpo e se encontra mergulhado no oceano da doença, da velhice e da morte. O sábio que destrói isso é semelhante ‘aquele que mata um salteador. Essa destruição deve ser motivo de alegria.
Esforçai-vos sem cessar na prática que leva ‘a libertação. Toda as leis mutáveis e imutáveis deste mundo são isentas de garantia e estabilidade.
Permanecei em silêncio. O meu tempo passa e é chegada a hora de eu me extinguir. Esse foi o meu último ensinamento.
Fonte: Textos budistas e zen-budistas. Ricardo M. Gonçalves (org).