Ira Ontológica
Normalmente, as poesias são tentativas de definir realidades, desejos, anseios, sonhos, passado, presente, futuro, medos, entre outras coisas em uma perspectiva subjetiva, egocêntrica (não pejorativamente falando) e quase incomunicável.
Pensemos por um instante em uma poesia não subjetiva, pluricêntrica, transmigrada (até porque, comunicar sem ser intersubjetivo é como “ser/estar” em outro “tempo/lugar” no momento da fala):
O Tempo? Infinito, indiferente e implacável...
A vida? Finita, aleatória e desesperada...
Se morro ontem, o tempo continuará, a vida me usará a quem risca um fósforo para iniciar novas chamas: as coisas serão outras, mesmas, mas não perceberei, não provarei, não direi nada, não estarei lá.
O meu passado, que me era como o maior presente, o fundamento do que sou agora, desaparecerá: as lembranças que outros tiveram de mim desaparecerão, meu nome, minha identidade, meus sonhos, minhas loucuras, meu destino existirão como se nunca tivessem existido.
Que sou eu então, se não participo, neste momento, de um ontem ou um amanhã? Sou um agora? Então porque pensar? Porque particionar o fluxo dos eventos com lapsos de abstrações, condicionamentos absconsos de um mundo que perpetua um agora falseado em passado e futuro?
Mas antes disso, podemos dizer sobre essas coisas, nao há transmigração, estou falando de nossa incompletude bem diante de vocês, agora, neste momento. Como posso dizer de coisas ontologicamente fixas, para passageiros como eu, no fluxo ilimitado do universo?
Linguagem. Não nos perdamos nos labirintos de nossas ânsias, pois a linguagem pode nos oferecer muito mais... a possibilidade de experimentar o que ultrapassa o campo gravitacional de nosso ego. Basta sabermos articular os sons animais que compõem nosso pensamento e nossa fala.
(I'm not proud of that...)