Um "check - in" diferente (EC)
Um "check - in" diferente (EC)
Eternidade é "a posse total, simultânea e perfeita de uma vida interminável". (Boécio)
Esse invólucro falível e frágil que comporta nossa vida em essência ao perecer é matéria finda. Limitada. Nada leva, nada carrega.
Divago sobre o eterno, aquilo que fica na memória dos que permanecem que se registram em livros, filmes, discos, e em especial nas nossas lembranças. Somos capazes de fechar os olhos e sentir os aromas, os sabores e revisitar cenas, momentos que de alguma forma nos marcaram. Inserido nos vídeos, clips, CD’s as vozes, imagens, gestuais daqueles que a muito já transpuseram a linha da falibilidade material.
Busco nos meus guardados emotivos, existenciais, nos achados emocionais os arquivos que se perpetuam ou perpetuarão pelo tempo infinito. Se o transcender fora possível em outro Plano, Galáxia, Campo Energético gostaria de ter comigo, perto e vinculada em afetos, a filha linda que tenho o melhor amor vivido, a infância feliz na praia, o amor desvelado dos pais, alguns amigos adoráveis, mas gostaria de não só tê-los, ai já me vem um capricho. Gostaria de carregar as lembranças dessa dimensão no que concerne ao nosso encontro atual lá para o outro lado.Pura viagem,e imenso apego, desmedido amor,coisas do mundo material.Do ser “materialista”.
Mas tudo é só um divagar. Um devaneio.
Como no delicado, sensível, curioso e aplaudido filme japonês “DEPOIS DA VIDA”, uma aula de humanidade e abordagem das mais profundas já vista sobre a existência. Uma linda aula de reflexão existencial. Revisão existencial.Nele o cineasta coloca seus personagens (mortos) em situação de alguma forma parecida com a que estou só que já mortos todos tem que fazer em pouquíssimo tempo (três dias) a escolha da lembrança com que atravessarão para a eternidade. Escolher um ÚNICO instante e a cena será recriada, filmada, e apenas com essa cena, essa memória partirão de um lugar digamos intermediário, para o eterno. Algo muito, mas muito mais difícil do que se perceber morto, indubitavelmente.
Eu, ao passar, transpor a tênue linha que nos separa da eternidade nem levaria meus melhores vestidos, nem as imensas argolas, nem os livros queridos, nem a pet amada, porque me fora dado à missão de escolher entre tantas uma única lembrança, nem seria algo materializado, apenas uma imortal memória. Faria então um pacotinho onde colocaria bem arrumadinho as vivências concretas que me levariam a transpor essa linha como um ser melhor, mais evoluído, que por menos que tenha sido um mínimo se aprimorou. Incluso ai vão aprendizados, energias despendidas em prol de não só ser melhor como fazer alguém melhor. Decepções que trouxeram discernimento, mágoas transformadas em aprendizado e desprendimento, acréscimos, pequenas vitórias sutis contentamentos. Despojados gestos, o melhor que comporta o coração.
Será que passaria ou seria detectado peso demais, excesso de bagagem? Itens proibidos escondidos e/ou disfarçados e minhas lembranças seriam retidas para averiguação?
Haveria de deixar para trás alguns apegos?
Penso ser como um desfazimento, quando na caminhada pesa a sacola , mochila e lá se vai o caminhante deixando pelo caminho seus pertences. Qual um (des) pretensioso treino, exercício de desapego, pois para cada um de nós que consegue certa maturidade espiritual e emocional, chega uma hora que guardar coisas, bens, quinquilharias, mágoas, toneladas de livros e discos já não é tão primordial, outras prioridades mais leves, menos volumosas e mais interessantes tomam o lugar.
Ousaria talvez argüir junto a Alfândega, aos encarregados buscando convence-los de que sem isso eu não resistiria. Não existiria. Sequer atravessaria.Seria nada e me perderia no tempo, no vazio.Não faria sentido,seria como ir sem pedaços...
Mutilação.
Desintegraria oca e completa de lacunas...
Papel transparente,
Em branco...
Que tal buscar o “aprimoramento”?
Penso que vale o preparar para o grande “check-in” de nossos dias, arrumar as emoções para o pré-embarque, garantir um lugar bacana no transpor, no atravessar...
Aconselho um exercício simples, arrumar armários, gavetas, interiores...
E aconselho sem pestanejar que apreciem o belo filme “Depois da Vida” (After life/Wandafuru raifu), do cineasta japonês Hirokasu Koreeda.
"Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo,
Mas com tamanha intensidade, que se petrifica,
e nenhuma força jamais o resgata"
Carlos Drummond de Andrade
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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Uma Lembrança para a Eternidade
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