A fábrica de sonhos
Evocadora do momento mais eufórico da modernidade, e talvez a mais impressionante das engenhocas que a industrialização dos meios produtivos forneceu, a câmera de vídeo permitiu ao homem registrar o movimento da vida sem a mediação das palavras, mas pela captação direta da série de movimentos, sons e imagens que compõem o que entendemos por realidade.
Desse modo, a história do homem, que deixou de depender da frágil memória dos indivíduos e da subjetiva reprodução oral com o advento da escrita e, posteriormente, da imprensa, passou a contar como um meio de registro aparentemente objetivo e impessoal. Informações locais tornam-se universais, e a televisão está aqui para invadir os lares e o cotidiano das pessoas de todas as partes do mundo. Do campo às cidades, dos palácios às favelas, somos todos guiados pelos mesmos discursos e ideologias, por sua vez financiados pelo neoliberalismo. Mesmo quando nos propomos a negá-los, continuamos submersos nessa complexa e contraditória forma (diz-se mais democrática, laica e reflexiva) de enxergar o mundo.
Por outro lado, distanciando-se do sonho de fixação da realidade objetiva, a câmera de vídeo rapidamente serviu de ferramenta ao que se chamou cinema. A indústria hollywoodiana, apelidada de "fábrica de sonhos", viu na nova ferramenta um meio mais imediato de satisfazer a necessidade de fantasia que nos caracteriza como humanos.
Além de sonhar com as histórias contadas ao pé da cama, transformadas em belas imagens e letras por pintores e escritores talentosos, além de esperar as produções teatrais para ver em presença as cenas imaginadas, contamos agora com as produções fílmicas, capazes de criar novos ambientes, novas figuras humanas, quiça um novo tempo, para dar a ver o mundo dos sonhos que enredos ficcionais solicitam. Sem falar que o cinema, o sonho em efetiva presença, é um meio reciclável que rompe a barreira da língua.
Quantas críticas não recebeu ele por procurar nas outras artes inspiração para suas histórias e hoje, felizmente, vemos outras mídias adaptar textos fílmicos. Isso porque os sonhos humanos já estavam todos lá, nas praças de Roma ou ao pé das fogueiras tribais, do seio da América pré-colonial ao alto das montanhas chinesas que os grandes impérios não alcançaram, antes de sair de nossos lábios, os sonhos já estavam lá, preenchendo o nosso insólito subconsciente.
O cinema hoje, dono de seu espaço, sem nada a dever para quem quer que seja, nos impressiona com uma linguagem sempre nova, própria, toda sua. Linguagem multissemiótica que reflete uma humanidade que não pára no tempo, mas que está sempre a interagir e se reformular frente às novas situações que seu intelecto e trabalho criam. Sem tirar o valor de ninguém, vemos o cinema se compactuar com a literatura e com os jogos digitais para bem satisfazer nosso tão primitivo desejo de retorno aos bons sonhos.