Atuar como representar

Como voz do meu tempo, já que um ser social, tenho que dizer que é lamentável o que vejo na televisão brasileira. Claro, desde cedo estamos habituados a dizer que as novelas globais são ruins, que os filmes brasileiros são uma porcaria, faltam-nos porquês, quase sempre, até que se amadureça e a realidade se desnude de ilusões superficiais. Quero dizer que hoje sinto alguma segurança para falar algumas destas observações acerca da representação feita pelo ator, que veste a máscara e é outro, ou outros.

Quando assisto uma Taís Araújo interpretando, penso que as pessoas colocam seus desejos em um nível muito baixo pra satisfação pessoal. Pode soar clichê, mas assistam ao filme "A hora do lobo", de Bergman, e vejam o abismo de diferença que existe entre essa global e a Liv Ullman. Obviamente, a culpa não é apenas dela. O papel é medíocre, o contexto também, as falas são porcas e de uma pobreza que inclusive me assusta não estranhar ao povo. Saia de sua casa e vá à portaria, ao portão, à esquina, enfim, meta-se junto de um grupo de pessoas em conversa. A riqueza vocabular, as referências construídas, os atravessamentos de discurso, enfim, a coisa é uma teia tão complexa que me é inacreditável que mesmo o povão não se canse de uma coisa tão artificial.

O grande problema, acredito, não é o culto à personalidade, como alguns gostam de dizer. Este culto sempre existiu, ao menos na arte mais moderna, quem é que não teve seu nome exaltado pelas massas, de grandes atrizes a fenômenos da música? A questão agravante é como o sujeito crítico, que tem acesso ao produto artístico, está sendo construído por seus educadores, de pais a professores, parentes, vizinhos, amigos. Este sujeito, ao meu ver, de uma maneira geral, está fundamentado em uma percepção pouco ambiciosa da experiência artística, além de estar cada vez mais sem tempo e, talvez, com as energias de seu corpo dispostas a sobreviver financeiramente. Quantos não dizem por aí que consomem o produto de péssima qualidade vendido pela rede globo porque ao chegar em casa quer apenas relaxar, não quer aprender nada ou refletir, quantos? Muitos, senão quase todos, têm essa consciência e fazem uma opção diária por se manterem coisas alienadas ao prazer, enfiadas nas perspectivas de um futuro que nada mais é do que a sucessão de agoras que vão ficando para trás nesta jornada pelo amanhã.

Os temas, nas novelas divididos por núcleos, se repetem grosseiramente. Não deixam nem que um pouco de tempo aja sobre a memória do espectador, fazem sempre o mesmo repeteco de sempre, exigindo dos atores uma memorização inexpressiva de caras e bocas, poses de efeito, lágrimas ao close. Ao assistirmos entrevistas com esses atores, percebemo-los sem a máscara e fica fácil reconhecer que esta não era sequer tão mais que um véu rasgado. Os trejeitos, maneiras de olhar, em nada são construções desafiadoras, baseadas no talento, na inventividade do ator, mas um empréstimo besta da imagem para que se torne uma estrelinha local.

E sustentadas, as estrelinhas, por quem? Não pelas pessoas, acreditem, mas pela atuação autosuficiente das redes de televisão, que, para mim, estão confortáveis diante da acomodação dos seus consumidores, mas não os detém. Não, ainda.

É preciso que educar, sim, mas é preciso ir além. É preciso ver que tipo de educação é essa. Que seres humanos estamos formando e para quê os estamos formando. A humanidade é um projeto de esforço coletivo, e a ignorância primeira é desconhecer esse fato e entregar sua própria sorte à mercê de qualquer plano besta. O futuro não vai acontecer, ele está acontecendo. Faça suas opções de forma consciente e não se entregue ao cansaço mental. Critique, procure outros padrões, busque experiências, seja diversificado, não porque tais atitudes o farão achar uma verdade, em absoluto, mas com certeza vão abrir um leque de opções que o livrará da monotonia, talvez o mal de maior poder destrutivo, aquele que nos faz perder o gosto pela vida.

Obs: é preciso dizer que um milhão e meio na mão de um retardado é revoltante? Enquanto temos pessoas que precisam de muito menos para patentear projetos, investir em laboratórios, material, pesquisa, temos o povo brasileiro sustentando um ignorante que exercita o narcisismo, porque sim, aquilo é pura imagem. Lutador? Quem viu as lutas do Dourado depois que ele saiu do primeiro Big Brother sabe que ele tomou muita porrada. É uma imagem tola e débil que tenta sustentar um estereótipo. Um fracassado rico.

Avati
Enviado por Avati em 02/04/2010
Reeditado em 02/04/2010
Código do texto: T2172472
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