Protesto

Em protesto

Larguei as escadas

Fui de elevador

Escadas rolantes

Metrô

Em protesto larguei meu nome

Fui anônima

Calada

Olhos caídos

Pupila molhada

Mas senti mais raiva que dor

Por isso larguei as escadas e

Fui de elevador

Deixei as unhas crescerem

Os cabelos crescerem

Comi pouco

Dormi muito

Em protesto perdi a hora

Perdi o pudor

Uso roupas velhas

Sandálias velhas

Cara velha de ontem

Sem lavar

Maldigo em voz alta

Em público

Na escada rolante da vida

No elevador

Toda essa gente que passa

Toda essa amorfa massa

Sem amor

E de repente

Em protesto

Quem sabe

Talvez

Por que não?

Foram me achando doida

E me deram atenção

Descabelada

Maltrapilha

Sempre suada

E assim foram reparar em mim

Que coisa!

Recebi

Bom Dia

Boa Tarde

Boa Noite

Como tem passado, frio, não?

E fui me enraivecendo mais

Um dia, em protesto

Dei de olhar pruma criança

(confesso, feia como a mãe)

Disse a ela em qualquer língua:

Olhe o céu, o mar, eles estarão sempre no mesmo lugar

mas suas mãozinhas pequenas, ainda lisas, irão crescer, envelhecer e morrer, sem trocar de lugar céu ou mar.

Levei uma ou duas

Guardachuvadas

Mas me senti feliz

Bebi chá no viaduto

Vi o sonho amadurecer

E caiu do pé de tão maduro

Apodreceu na terra fofa

(Nem quis saber)

Laís Mussarra
Enviado por Laís Mussarra em 14/08/2006
Reeditado em 14/08/2006
Código do texto: T216229