A Preocupação no Cerne da Alma Humana
"Certo dia, ao atravessar um rio, a Preocupação viu um pedaço de barro. Logo teve uma idéia inspirada. Tomou um pouco de barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter. A Preocupação pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado. Quando, porém Preocupação quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse imposto o seu nome. Enquanto Júpiter e a Preocupação discutiam, surgiu, de repente, a Terra (Gaia, na mitologia grega, que correspondia a deusa da Terra). Quis também ela conferir o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material do corpo da terra. Originou-se então uma discussão generalizada. De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como árbitro. Este tomou a seguinte decisão que pareceu justa: "Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da morte dessa criatura. Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também de volta o seu corpo quando essa criatura morrer. Mas como você, Preocupação, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver. E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa “terra fértil".
É muito interessante esse mito romano sobre a criação do homem, muito mais verdadeiro do que a alegoria descrita pelos judeus no antigo testamento. Por que eu acho isso? Ora, o ser humano desde criança já gera Preocupação por parte de seus pais. Depois a criança, com o passar dos anos, irá ser dirigido pela Preocupação, assim como cada um de nós: Preocupação em passar em cada série na escola, Preocupação com a estética, com a beleza; Preocupação em passar no vestibular, em concluir um curso universitário; Preocupação em conseguir um bom emprego, em construir uma vida estável financeiramente; Preocupação com a saúde, em pagar as contas, em conseguir a pessoa certa para se casar; Preocupação sobre os acontecimentos que ocorrem no mundo e que podem nos afetar; Preocupação sobre se existe vida após a morte, em agradar a um Deus; Preocupação sobre tantas dúvidas e questões ainda não equacionadas inteiramente, como quem nós somos, de onde viemos, por que estamos aqui, qual a real finalidade de haver vida nesse universo, existirá ouros seres em outras galáxias ou dimensões; Preocupação com a velhice, se realmente a vida a qual se viveu valeu a pena ter vivido; Preocupação com a morte que sempre ameaça nossos projetos, nossos planos, que sempre pode nos visitar a qualquer hora, sem bater a porta da frente, utilizando qualquer ser, ou ente, ou fator para fechar eternamente o brilho de nossos olhos, o bater de nosso coração.
Então, lá vai o nosso ser sendo levado pela Preocupação entre seus braços, atirando-nos no barco da Morte, navegando para um porto incognoscível, talvez pelo rio Estige, ou para qualquer lugar; se é que existe realmente um lugar, um onde para sermos levados. A transição da vida possivelmente é intransitiva, ausente até de advérbios de modo, de lugar, e tempo, etc.