Unicidade produtiva
Passei pela mesma esquina de novo, sentei no mesmo banco do ponto de ônibus. Olhei as mesmas caras, olhei? Jovens casais, velhos, adolescentes com fones de ouvidos, adultos com rostos cansados.
No poste um cartaz com rostos desaparecidos. Fiquei me perguntando quantos daqueles rostos já passaram desapercebidos por meus olhos. Quantas árvores? Quantos sóis? Quantos, quantos, quantos?
Não sou de divagações, mas a solidão e o tempo fechado me trancafiaram em uma conversa comigo mesmo, e aqui estou, fazendo perguntas sem respostas, me perdendo em ruas sem saída.
Não estou em leito de morte, nem tenho propósito de vida, sigo assim, andando por avenidas sem movimento, pegando ônibus sem destino, chutando latas pelas calçadas, bebendo sucos com gosto de água, tentando ler sem enxergar letras, brigando com as luzes, chutando a escuridão, perdido na contradição.
E alguém me pergunta de onde vem isso tudo? De onde vem a insatisfação? De onde vem a luz?
Do nada. Do nada surge a inquietação, do nada corpos se movem, pessoas acordam. O nada que tira do conforto, o nada que lhe move a uma casa de novos pensamentos, um nada que lhe faz olhar a janela da frente e imaginar quantos sorrisos surgem ali, quantas lágrimas, quantos amores?
Um nada que te faz mergulhar em si, não importa quão turvo você seja, e lá está você, mergulhado. Quando enfim você enxerga algo em meio a toda aquela turvacidade, enfim uma corda te traz de volta à normalidade, de volta a paz.