E EU SÓ TINHA MEDO DO ESCURO.....

Existe uma fazenda em minha infância

da qual morro de saudades. Saudades do meu vestido florido,

meias de bolinhas e da fala ríspida de meu pai. os intermináveis

ensaios na coroação de Nossa Senhora do Rosário. AS cabaninhas

no meio do mato e o futebol de rua com meus irmãos. Tudo tão

simples e tão grandioso. A fazenda de minha infância fincada lá na

raiz da serra. E eu só tinha medo do escuro.

Me lembro de como gostava do sol e afundar os pés na lama.

Tomar banho de chuva e me deitar na enxurrada. A catapora,

a casquinha no nariz e o medo do escuro. Não tínhamos celular,

computador, internet e éramos tão próximos. Tudo era muito de

verdade. Acho que por isso, morro de saudades. Não empurrávamos

a vida com a barriga. Vivíamos a vida exatamente da forma que

ela se apresentava. E éramos felizes. Tínhamos tempo de jogar

bolinha de gude e brincar de finca no quintal de terra enlameado.

Adorava me ver suja de terra e os cabelos embaraçados. E eu só

tinha medo do escuro. As estórias de fantasmas, sempre contadas

apartir das seis da tarde pra dar um ar de suspense. saudades

imensuráveis do "bença pai bença mãe" na hora de dormir. As belas

estórias de SAnto Inácio de Loyola e São Francisco de Assis

contadas com tamanho entusiasmo pelo meu pai, e o nosso

interesse em ouvir tudo até o fim. E eu só tinha medo do escuro.

Muitas saudades das vezes que chegava em casa com os joelhos

arrebentados e o dedão do pé sangrando. guardo as marcas por

dentro e por fora pra que eu nunca me esqueça; "olha, eu estive lá.

Eu arrebentei os joelhos, arranquei uma unha e apanhei de meu pai

por isso". E ainda assim, eu só tinha medo do escuro.

Já não tenho mais medo do escuro. Mas....

saudades imensas das ruas de minha infância, onde eu só

tinha medo do escuro.