Brisa 27

Um rochedo entre duas marés. Dois oceanos inteiros, furiosos, batendo com todas as suas forças contra o rochedo. E não é um rochedo enorme, forte, como fora, outrora. Já apanhou tanto dos mares que está mais frágil do que nunca; já é quase todo areia, agora.. Talvez seja culpa dele próprio. Onde já se viu, colocar-se entre dois oceanos?

Foi preciso. O pobre rochedo sempre diz que foi preciso, que é preciso que ele fique ali. É ele quem dá o equilíbrio necessário paras as águas furiosas dos dois oceanos não se encontrarem e abalarem todo um ecossistema, é o que ele diz. E, pensando bem, ele talvez esteja certo. Mas não deveria ser assim. A natureza, às vezes, faz coisas absurdas, mas que funcionam, ao menos durante um tempo. Afinal, nenhum rochedo dura para sempre; cedo ou tarde ele irá ruir e então o que sucederá? Ninguém pode responder a isso. Mas ele pensa ser algo muito, muito grave e isso lhe dá forças pra se manter exatamente onde sempre esteve: entre os dois oceanos.

Já apaziguou muitos maremotos de ambos os lados, segurou estilhaços de embarcações náufragas, quase foi tragado por muitos redemoinhos, mas nunca cedeu. Negras nuvens estão sempre em redor, ora de um lado, ora do outro e, não obstante, dos dois lados, simultaneamente. É atacado constantemente e começou a se abalar, depois de tantas ondas batendo-lhe fortemente contra a superfície disforme. Ele atura tudo imóvel, apático, mas não pacientemente. Não, isso não; paciência é algo que lhe falta, um tanto incomum para os rochedos. Ele não suporta mais estar ali, não suporta mais um rochedo. E quando, momento raro, os oceanos lhe dão descanso, imagina ser outra coisa. Não necessariamente outra coisa, mas outra vida.

Imagina, por exemplo, se fosse um iceberg, pelo menos. Desapareceria e reapareceria em outro lugar. Poderia sair dali durante algum tempo, voltar depois, quem sabe? Só para variar um pouco, ele pensa. Mas se sair dali é pedir demais, ele imagina como seria se fosse um vulcão. Mesmo que não um vulcão enorme, como os que existem por aí, mas um vulcão, do tamanho dele mesmo. Só para ter o poder de transbordar, extravasar, explodir a hora em que não puder mais suportar os ataques constantes dos dois oceanos. Imagina-se mandando lava para o alto, atingindo os oceanos dos dois lados. Quem sabe assim eles não entendessem que ele era algo vivo, tanto quanto os oceanos e que não suporta mais essa rixa entre os dois. Certamente assim eles desistiriam de tentar ferir um ao outro, invadir o espaço um do outro. Mas, infelizmente, ele é só um rochedo. Nada mais.

Ele é um rochedo que esteve sempre entre dois oceanos. No centro de uma furiosa batalha que não terá fim. Não enquanto ele não desistir, ou deixar de existir. Ele imagina o que acontecerá quando se tornar cem por cento areia. Será que uma forte correnteza se aplacará, devido ao encontro dos dois imensos oceanos, e o levará dali, cada um de seus grãos para um lugar diferente? Ou os dois oceanos finalmente se darão conta do que estiveram fazendo durante todo esse tempo, quando for tarde demais para parar, e, lamentando a perda do rochedo, se deixarão unir, formando um belo dégradé de tons azuis? É pena que ainda leve muito tempo para saber o que acontecerá. Enquanto isso o rochedo aguarda, não sem muita impaciência, o final de sua triste história entre os dois oceanos em fúria.

William G. Sampaio [26/12/09]

William G Gardel
Enviado por William G Gardel em 29/01/2010
Reeditado em 01/02/2010
Código do texto: T2058289
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