Ciclotimia
Sorrateiro, toma-me o corpo e por sorte não me rouba a alma. Pois que se o fizesse já estaria eu em abissal poço de desgraça. Expurga todo meu contentamento com a vida, e faz-me [obriga-me!] a ansiar por conhecer a morte.
E desejo compreender como pode esta mácula invadir meu cerne estando eu, poucos segundos antes, tomado por pleno regozijo. [?]
São como gélidas e esquálidas mãos que me tocam os ombros, e no exato momento do contato, sou menos que uma estátua feita às pressas. A efígie desfigurada de algo que fora humano. A silhueta de quem teve a alma CHUPADA por um aspirador de pó, sem chances de protestos ou intervenções. Um corpo que precisa apenas de um sopro para estatelar-se no chão. Contudo, ainda não um cadáver! Eis que ainda queima uma diminuta chama, permitindo-me o desgosto de sentir todo o peso da inexistência.
A mentalidade é sincera apenas na manutenção do necessário para manter-me vivo.
Os sorrisos são uma dissimulação.
As convicções são cartas desembaralhadas.
E a existência transforma-se em uma penitência sórdida.
Os gélidos dedos escorregam do ombro ao pescoço, esfriando e comprimindo-o. O cadafalso está bem asseado. E a corda da forca balança e dança [!] com a brisa. É chegada a hora de partir.
[por todos que seguraram minhas mãos. por todos os amplexos calorosos que já senti. pelo amor que ainda aquenta meu corpo... a diminuta chama expande-se! Afogueia o tépido corpo!]
As mãos recuam.
A consciência volta ao seu lugar.
O pesadelo dissolve-se...
Ainda estou vivo.