SOLIDÃO # 1
Domingo, 3 de janeiro de 2010. Hoje, como quase todos os dias, fui almoçar em um restaurante que fica nas proximidades do apartamento em que resido. Fui só, como quase sempre. Estava um sol típico de meio-dia no verão: quente e luminoso, acompanhado de uma brisa que fazia lembrar as manhãs do litoral. Assim que saí do edifício onde moro, quando já me encaminhava para o restaurante, um amigo, freqüentador da sorveteria que fica logo em frente, me chamou de volta pra me perguntar quando me mudaria - ele havia me recomendado ao síndico de seu edifício, já que um dos apartamentos tinha ficado vago e ele sabia de minhas pretensões de mudaça de endereço - respondi que iria demorar mais dois ou três dias. Ele então me recomendou um de seus amigos, que fazia carreto, para me ajudar na mudança. Conversamos um pouco mais sobre o assunto, nos despedimos e retomei meu caminho. Nele fui pensando sobre as relações que surgiram entre mim e as pessoas nos últimos tempos: queria ficar em paz com minhas frustrações e amarguras, mas algumas delas se esforçavam, e muito, para se aproximarem, fato que demorava a aceitar, e, quando aceitava, era com receio, o famoso pé atrás. Enquanto caminhava também refletia sobre a condição de estar sozinho – refletia, talvez não, melhor seria constatava a tal condição – e começava a prestar mais atenção em tudo o que me cercava: tudo, sim e somente, pois, por estarmos num fim de feriado prolongado, não havia um só passante pelas ruas da cidade, portanto, não poderia dizer também que prestava atenção a todos. Esta procura pelo aqui e agora me causou uma certa angústia: por que não havia aproveitado um pouco mais o papo com Ronaldo, o amigo da sorveteria, já que nem mesmo estava com fome – saí para almoçar, por que era meio-dia – e ninguém, no restaurante, me esperava, nem mesmo o proprietário, pois nunca fui de comer muito, por tanto não faria diferença se fosse lá ou não. Ao entrar no estabelecimento, tudo como quase sempre, apenas os humores indicavam certa vitalidade, pois pessoas diversas, com seus diversos humores, passavam por ali todos os dias. Peguei minha comanda, me dirigi ao balcão de alimentos, o restaurante, além de churrascaria, é também sef-service, muito comum nos dias de hoje, por ser econômico, rápido e prático – às vezes, mais prático e rápido do que econômico – peguei uma porção de maionese com bacon, uma salada de alface e tomate, um pedaço de pernil e uma lasanha ao molho branco. Quando me sentei à mesa, próximo a televisão, como faço sempre, reparei que, na TV, passava uma entrevista com um lutador de boxe famoso, feita por um narrador esportivo, também famoso, coisa que me interessava muito pouco, além do fato de o primeiro parecer muito efeminado, fato comprovado quando, logo depois, apareceram cenas de um outro lutador, já aposentado, da categoria peso galo, da mesma maneira, muito famoso, e o segundo um pouco animado demais em entrevistá-lo. Então passei a saborear com vagar cada uma das porções que havia colocado no prato. Você pode perceber que desde que entrei no restaurante parei de pensar sobre o que me angustiava até ali, deve ser por conta de um certo cuidado e carinho com que passei a me alimentar depois de adulto. Este é o ponto onde queria chegar: depois de acabada a refeição, comecei, novamente, a refletir em minha condição de solidão e, agora sim, nas pessoas que me cercavam; algumas sós, e satisfeitas; outras acompanhadas e satisfeitas; outras ainda que pareciam ocupadas, como eu também devia ter parecido enquanto comia, e outras realmente ocupadas, pois estavam nos servindo, ou nos cobrando. Acontece que em 1999, decidi fazer somente o que gosto, até então havia agradado a todos, meus pais, meus amigos, minhas amigas, minha namorada. Todos eles sabiam o que seria melhor pra mim, eu não. Há dez anos abandonei todos e passei a planejar meu destino, a desenhar meu lugar no mundo. Passei usar o salário do emprego que tinha, e de que todos se orgulhavam, para terminar a faculdade, o que me trouxe até aqui; passei a conviver com pessoas dispostas a ouvir o que eu tinha a dizer; passei a aceitar amigos que, a princípio, não seriam boa companhia, pois não tinham grandes ambições; e, principalmente, passei a aceitar minha essência de sossego, leitura e reflexão. Por causa disso, por querer me impor enquanto individuo na família e na sociedade, cheguei até a passar fome, por duas vezes: a primeira, quando resolvi largar uma mulher que disse, um dia, que eu não precisava frequentar uma universidade, então deixei também meu trabalho, já que estava nele pra poder me casar; e a segunda quando deixei aquele emprego na indústria, pelo qual todos me felicitavam, inclusive uma outra garota que, por conta de ter tomado essa decisão, também me deixou. E, por ter passado fome, por ter vivido em lugares não muito agradáveis, por não ter tido apoio de ninguém em minhas decisões, é que me sinto tão satisfeito com um bom prato de comida, a ponto de parar inclusive de pensar na solidão que isso me custou, talvez por isso continue tão receoso em aceitar “amigos” que têm muitos conselhos pra me dar, sem sequer querem saber o que penso e o que sinto, então, acho que o “pé atrás” será parte integrante de minha personalidade por muito tempo ainda, afinal, graças a ele, estou aqui me expondo em letras, enquanto leio e reflito em paz, no sossego.
Domingo, 3 de janeiro de 2010. Hoje, como quase todos os dias, fui almoçar em um restaurante que fica nas proximidades do apartamento em que resido. Fui só, como quase sempre. Estava um sol típico de meio-dia no verão: quente e luminoso, acompanhado de uma brisa que fazia lembrar as manhãs do litoral. Assim que saí do edifício onde moro, quando já me encaminhava para o restaurante, um amigo, freqüentador da sorveteria que fica logo em frente, me chamou de volta pra me perguntar quando me mudaria - ele havia me recomendado ao síndico de seu edifício, já que um dos apartamentos tinha ficado vago e ele sabia de minhas pretensões de mudaça de endereço - respondi que iria demorar mais dois ou três dias. Ele então me recomendou um de seus amigos, que fazia carreto, para me ajudar na mudança. Conversamos um pouco mais sobre o assunto, nos despedimos e retomei meu caminho. Nele fui pensando sobre as relações que surgiram entre mim e as pessoas nos últimos tempos: queria ficar em paz com minhas frustrações e amarguras, mas algumas delas se esforçavam, e muito, para se aproximarem, fato que demorava a aceitar, e, quando aceitava, era com receio, o famoso pé atrás. Enquanto caminhava também refletia sobre a condição de estar sozinho – refletia, talvez não, melhor seria constatava a tal condição – e começava a prestar mais atenção em tudo o que me cercava: tudo, sim e somente, pois, por estarmos num fim de feriado prolongado, não havia um só passante pelas ruas da cidade, portanto, não poderia dizer também que prestava atenção a todos. Esta procura pelo aqui e agora me causou uma certa angústia: por que não havia aproveitado um pouco mais o papo com Ronaldo, o amigo da sorveteria, já que nem mesmo estava com fome – saí para almoçar, por que era meio-dia – e ninguém, no restaurante, me esperava, nem mesmo o proprietário, pois nunca fui de comer muito, por tanto não faria diferença se fosse lá ou não. Ao entrar no estabelecimento, tudo como quase sempre, apenas os humores indicavam certa vitalidade, pois pessoas diversas, com seus diversos humores, passavam por ali todos os dias. Peguei minha comanda, me dirigi ao balcão de alimentos, o restaurante, além de churrascaria, é também sef-service, muito comum nos dias de hoje, por ser econômico, rápido e prático – às vezes, mais prático e rápido do que econômico – peguei uma porção de maionese com bacon, uma salada de alface e tomate, um pedaço de pernil e uma lasanha ao molho branco. Quando me sentei à mesa, próximo a televisão, como faço sempre, reparei que, na TV, passava uma entrevista com um lutador de boxe famoso, feita por um narrador esportivo, também famoso, coisa que me interessava muito pouco, além do fato de o primeiro parecer muito efeminado, fato comprovado quando, logo depois, apareceram cenas de um outro lutador, já aposentado, da categoria peso galo, da mesma maneira, muito famoso, e o segundo um pouco animado demais em entrevistá-lo. Então passei a saborear com vagar cada uma das porções que havia colocado no prato. Você pode perceber que desde que entrei no restaurante parei de pensar sobre o que me angustiava até ali, deve ser por conta de um certo cuidado e carinho com que passei a me alimentar depois de adulto. Este é o ponto onde queria chegar: depois de acabada a refeição, comecei, novamente, a refletir em minha condição de solidão e, agora sim, nas pessoas que me cercavam; algumas sós, e satisfeitas; outras acompanhadas e satisfeitas; outras ainda que pareciam ocupadas, como eu também devia ter parecido enquanto comia, e outras realmente ocupadas, pois estavam nos servindo, ou nos cobrando. Acontece que em 1999, decidi fazer somente o que gosto, até então havia agradado a todos, meus pais, meus amigos, minhas amigas, minha namorada. Todos eles sabiam o que seria melhor pra mim, eu não. Há dez anos abandonei todos e passei a planejar meu destino, a desenhar meu lugar no mundo. Passei usar o salário do emprego que tinha, e de que todos se orgulhavam, para terminar a faculdade, o que me trouxe até aqui; passei a conviver com pessoas dispostas a ouvir o que eu tinha a dizer; passei a aceitar amigos que, a princípio, não seriam boa companhia, pois não tinham grandes ambições; e, principalmente, passei a aceitar minha essência de sossego, leitura e reflexão. Por causa disso, por querer me impor enquanto individuo na família e na sociedade, cheguei até a passar fome, por duas vezes: a primeira, quando resolvi largar uma mulher que disse, um dia, que eu não precisava frequentar uma universidade, então deixei também meu trabalho, já que estava nele pra poder me casar; e a segunda quando deixei aquele emprego na indústria, pelo qual todos me felicitavam, inclusive uma outra garota que, por conta de ter tomado essa decisão, também me deixou. E, por ter passado fome, por ter vivido em lugares não muito agradáveis, por não ter tido apoio de ninguém em minhas decisões, é que me sinto tão satisfeito com um bom prato de comida, a ponto de parar inclusive de pensar na solidão que isso me custou, talvez por isso continue tão receoso em aceitar “amigos” que têm muitos conselhos pra me dar, sem sequer querem saber o que penso e o que sinto, então, acho que o “pé atrás” será parte integrante de minha personalidade por muito tempo ainda, afinal, graças a ele, estou aqui me expondo em letras, enquanto leio e reflito em paz, no sossego.