Por que escrever?
Alguém já disse que escrevemos para sermos amados. Mas o que escrevemos pode desagradar a muita gente, inclusive a nós mesmos. Os professores da área de Letras nos dizem que escrever é uma importante atividade sociocultural. Que a prática da escrita deve ser cultivada, pois só desta forma os alfabetizados irão aprimorar a sua habilidade de produzir textos escritos. Talvez muitas pessoas só escrevam por dinheiro, mas não creio que estes sujeitos consigam ser bons autores.
Eu acredito que escrever, seja literatura, textos teóricos ou argumentativos sirva, realmente, para conquistar admiração alheia, para ampliar nossa capacidade de uso do idioma pátrio, para ganhar dinheiro, pois ,como diz o preceito bíblico, todo trabalhador é digno de receber o seu sálario. Só não acredito que a literatura, a filosofia e a prosa jornalística possam salvar o mundo, porque este, coitado, precisa de reformas amplas e profundas. Talvez o que de principal traga o hábito da escrita seja o exercício de nossa individualidade.
Um texto produzido por nós tem a potencialidade de expressar nossa visão particular do mundo. E assim contribuímos com nossa gotinha pessoal para aumentar o mar do pensamento e da literatura do Universo. Obviamente, uma produção literária ou argumentativa de um indivíduo sofre a influência, consciente ou inconsciente, de inúmeros outros textos, vivências, experiências... Mas a forma como filtramos estas influências e a transformamos em algo inédito é uma maravilha da existência. Pois ao mesmo tempo que escutamos outras vozes, apresentamos a nossa para quem quiser ou possa nos ouvir. Treinar a nossa individualidade é fugir do nosso destino de gado e a escrita está aí para nos auxiliar nesta tarefa.
Pode-se dizer, e creio que muitos já o disseram, que um texto é um tecido composto dos mais distintos fios, que seriam as intertextualidades desejadas, ou não, pelo autor. Se acreditamos que escrever, ou seja produzir textos com sinais alfabéticos, é uma atividade importante, pois então façamos como Penélope que ludibriava os pretendentes indesejáveis tecendo durante o dia e destecendo durante a noite.
Pedindo desculpa ao Bardo cego e aos eruditos, podemos casar o mito da esposa de Ulisses com o que vinhamos sustentando. Assim, o ato de produzir e desmanchar uma obra de artesanato, simboliza o caráter essencialmente "inútil" e pessoal da escrita, especialmente da literatura. Podemos comparar Penélope ao escritor, seja ele o laureado com o Nobel, ou o blogueiro desconhecido, ainda mais que as linhas de seu bordado não são apenas suas, mas remontam a um hábito ancestral entre as mulheres, isto é, algo que conta com a coloboração de mil e uma influências . Sua fidelidade ao cônjuge distante é um aviso aos autores, para que estes não traiam seus princípios. Os pretendentes, que buscavam se assenhorar de Penelópe representam tudo aquilo que quer reprimir nossa criatividade, nossa individualidade, como certos produtos midiáticos, certas doutrinações religiosas ou do Estado etc. Para combater, estes que nos querem transformar em gado passivo ,penelopicamente vamos bordando e desbordando, usando de fios nossos e de outros, porém com uma combinação de elementos que será inconstestavelmente nossa. Façamos assim, esperando pelo retorno do guerreiro homérico que, como nos explicou o sublime Bruxo do Cosme Velho, é a Sapiência.