Em paz?
Então é assim que a gente se sente quando acontece com eles, quando vemos nos jornais. Nunca achei que aconteceria comigo – que clichê. Afinal de contas, temos sempre aquele ar de que nunca seremos vítimas, de que nenhuma atrocidade pode permear o nosso corpo. Somos intocáveis, não somos? Ou deveríamos ser?
Somos seis bilhões dominando terras, ares e mares, então... Por que logo eu? Há uma certa sensação de injustiça que não é certa de sentir, mas que transpassa a mente e se traduz em sensações de raiva e talvez melancolia. Digo, vemos todos os dias nos jornais, não é mesmo? Hoje me tornei uma estatística, com sorte.
Sei apenas que devo agradecer, afinal, ficaram os dedos, o celular e todas as lembranças que preenchem a minha carteira, tão velhinha e já rasgada. Talvez tivesse feito um favor em tê-la levado também, talvez eu criasse vergonha na cara e comprasse uma nova.
Mas estou só brincando, o faço para diminuir a gravidade do discurso. Espero que tenha sido útil e que aqueles poucos trocados lhe saciem as necessidades – do corpo, da alma, de seus vícios, demônios... Bem, do que talvez nem tenha nome.
Era uma rua escura – que coisa mais clichê. Fim de tarde, voltava para casa. A gente nunca espera, não sei ao certo de onde veio – e para onde foi. Também nunca sabemos o que faremos, mas é curioso ouvir as pessoas dizerem ‘se fosse comigo, teria feito isso e aquilo’. Claro, todos temos um pouco de Chuck Norris nas veias e de Forrest Gump nos lábios – somos bons contadores de histórias.
Seus olhos estavam muito vermelhos e ele não andava reto. Por baixo de sua camisa, pude observar o que acreditei ser uma faca, mas não queria que esta viesse à luz para descobrir no frio de sua lâmina qualquer resposta. Nem tudo tem resposta, Lucas. Nem é todo mundo que precisa delas.
Não lembro ao certo o que me disse, mas foi tudo muito breve. Não pediu celular, chave de casa, tênis, camisa, qualquer coisa assim. ‘Dá o dinheiro que tiver na carteira, rápido’. Seu tom me assustou um pouco, fiquei sem ação. Pra ser sincero, de início não lhe entendi a intenção, mas lhe dei o que tinha para entregar.
Pensei em drogas ou em bebidas , pensei em filhos e esposa, em cartas e em sinucas. Pensei no governo, no desemprego, no bolsa-família. Pensei em agradecer a Deus e o fiz assim que cheguei em casa.
Espero que tenha sido útil, que nenhum mal lhe acometa e que não seja necessário que outra pessoa se sinta como me sinto no momento. Porque sei que foi um breve momento o que me acometeu e que 3, 4 reais não me farão mais rico nem mais pobre - não que eu tenha dinheiro, claro. Mas também não o fará, não o tirará do que quer que lhe levou a esse nosso encontro.
Em paz, eu sigo com o que sobrou de mim.