Ele Está Lá
...e a coisa breve
A alma dos poetas não inflama
(Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé –
De Ariana para Dionísio – Hilda Hilst)
Estou sentado e percebo o mundo ao meu redor. Faço parte dele e tenho consciência disso. Mas, muito mais que isso. Por essa integração sinto o mundo em mim. O mundo me sente em si. Ao mesmo tempo, estou no mundo e sou o mundo. Ao mesmo tempo, o mundo está em mim e o mundo é eu.
Não sinto isso todos os dias. Apenas quando consigo parar e falar comigo. Diariamente não estou aqui. Encontrar comigo não é fácil, preciso marcar hora. Mas, o desencontro é o mais comum. Geralmente me encontro quando não me procuro ou quando nem penso em mim. Eu me esqueço de mim e num clique me vejo e me falo.
Na maioria das vezes, converso sobre mim, mas como toda conversa é dinâmica os assuntos se sucedem. É como conversar com um conhecido que não se vê há tempos. Vocês se cumprimentam animadamente, mas no decorrer da conversa percebe que ele não mudou muita coisa (mentalmente), só envelheceu mais. É assim uma conversa consigo próprio.
Não é fácil entabular conversa com você mesmo. Se você tem um assunto que quer saber, ele, o seu outro, responde tudo. Só responde. Não comenta, não emite opinião. Sobre nada. Não adianta perguntar o que ele acha da crise política, de religião e qual o seu time de futebol. Ele não responde, mesmo por que o ente com quem você conversa não se preocupa com o passageiro, pois ele próprio é uma eternidade.
Regimes políticos se sucedem, religiões se sucedem, times de futebol se sucedem. Só o seu ente permanece. Oculto, invisível, discreto e solícito para sempre.
Não há desconcentração sua que o destrua ou transfira de lugar. Ele fica lá.