ESPELHO
Tomas-me quando queres
Mas queixar-me por quê?
Se assim sempre foi
Já me vi em outros lugares
Lugares amplos com vários cômodos
O entra e sai era agitado
Cartolas, fraques, ternos de bom corte
Mas com o tempo escassearam dando lugar a cortes inferiores
Pegava-me mais amiúde, e passava longas horas na minha frente
A cútis rosada, os olhos vivos, o esplendor da jovialidade
As paredes eram nuas, mas bem pintadas e limpas
Hoje percebo manchas surgindo, no alto de uma delas
Noto hoje um crucifixo onde mostra a procura de um Cristo
Mas noto-o ainda crucificado, sem saber ela que já anda livre pelos corações
Toma-me bruscamente, não que não goste!
Sinto as mesmas mãos que outrora eram lisas
Fundimos nossas imagens e nos confundimos nos caminhos da vida
Olha-me se olhando, a boca já mostra sinais da marca do tempo
Os olhos perderam um pouco do brilho, mas ainda são lépidos
De repente uma lágrima surge lentamente
Como se brotasse das profundezas da alma
Noto que os olhos fixados remetem o pensamento longe
Despertos, começa o ritual consagrado pelos anos
A pintura pelos lábios já sem o cuidado de antes
O cuidado com os olhos já não toma tanto tempo
Respira, me olha se olhando
Sabe que será mais uma noite
Antes ligeiras hoje longas
Distante no pensamento bate na porta
Onde termina o sonho começa a realidade
Ou faça ela do sonho uma realidade
Joga-me num canto, e se vai
E volto a ser novamente simplesmente um pedaço de vidro
Sou seu eu, sou seu espelho
Sou quem mais a ama