Desenhando as nuvens

Letícia era uma garotinha de sete anos que sempre costumava ficar no jardim de frente a sua casa desenhando em seu caderninho as formas das nuvens.

Sempre que eu saia para o trabalho a avistava, sempre lá, docemente desenhando as formas das nuvens, com suas vestes coloridas, comum para qualquer criança. As vezes Letícia cantarolava algumas canções.

Os anos foram se passando, a menina foi crescendo, mas o habito de ficar no jardim com seu caderninho desenhando permanecia, agora com algumas amigas de vez em quando, outrora sozinha.

Eu sempre admirava a doce inocência da infância, relembrava meus tempos de garoto, as brincadeiras de bola com os amigos, foi doce minha infância.

Os anos foram se passando, e a garotinha agora se tornara uma moça, linda por sinal, com seus quinze anos, as vestes mudaram, sendo agora que se veste toda de preto. O habito mudara também, ao invés de um caderninho de desenho, agora era um diário. Cantarola canções agressivas, que escuta em seu Ipod.

Aos dezessete, a garota já é uma mulher, com seu corpo todo formado, já não fica mais na frente de sua casa desenhando ou escrevendo, fica ali, apenas brisando o horizonte, muitas vezes em um estado de deprimência.

Pensei: o que fizera tal garotinha mudar tanto de anos para cá. Foi então que certo dia percebi. Sua vida era muito tumultuada depois que seus pais se separam. Sua mãe com novo relacionamento, certamente com algum homem que Letícia devia desaprovar, e quanto ao seu pai, nunca mais teve contato, pois a mãe dificultava o contato.

Letícia havia crescido em um ambiente familiar destruturado, sofrerá com a separação dos pais e mais ainda pela falta de contato. Isso passou a refletir se em sua imagem e nas companhias que possuía.

Começou a beber, fumar, vestes cada vez mais pesadas, de provocar a estranhezas de olhares desacostumados com aquela irreverência toda. Teve vário namorados, mas recentemente se relacionava com uma garota, tão excêntrica quanto. Sua mãe, óbvio desaprovava, eis que os conflitos pioravam ainda mais.

Por muito, Letícia tentara o suicídio, todos evidentemente sem sucesso. Freqüentava um psicanalista toda semana, porém não se via melhoras.

Certo dia, ao ler o jornal vejo uma trágica notícia, a garotinha que desenhava as formas das nuvens, havia conseguido com sucesso seu suicídio, ao lado de sua namorada, constava na notícia, que fora um pacto de amor, eis que havia um bilhete de despedida explicando as razões e nele estava escrito uma passagem que fizeste me refletir:

“Um dia fui sonhadora, inocente e ingênua. Desenhava as formas das nuvens, como quem acreditava que elas mudavam para que eu pudesse as desenhar. Cultivava o dia feliz, cantava em agradecimentos. Enchia-me de luz ao olhar carinhoso de meu pai e o sorriso iluminado de minha mãe. Éramos felizes, porém, tudo mudou. Meu sol, tornou-se a Lua, meu dia, tornou-se a noite. Minhas vestes coloridas, tornaram-se cor uma, meus conceitos tornaram-se impuros pela malicia do mundo. Lutei, lutei de todas as formas que eu pudesse lutar. Usei todas as armas que eu podia usar. Choquei, provoquei, irritei o mundo a minha volta, mas quando percebi que não iria conseguir mudá-lo, encontrei na morte ao único refúgio. Mas deixo viva a esperança estampada nesta carta, de que um dia tudo possa ser diferente, que todos possam ter uma vida digna e feliz como um dia eu tive o prazer de ter. Que minha morte não seja em vão, meu ato de amor ao lado de minha amada, abra os olhos dos que insistem em mente-los fechados. Dentro de meu ser há gritos de desespero pelas correntes que esse mundo hipócrita e cruel nos impõe. Eis que agora me libertarei!

Letícia tinha apenas dezessete anos, e em tal carta publicada pelo jornal, pude perceber que a garotinha tinha percebido uma vivência incrível, uma visão de mundo tão real, quanto a que escapa a nossas mãos. Chorei e lamentei, mas voltando ao mundo real, pensei: O mundo é mesmo este, quantas garotinhas não passaram pelo mesmo e tiveram o mesmo fim. Mundo cruel. Haverá algum dia de paz real? As pessoas irão abrir os olhos e encarar a realidade afim de mudá-la? Quando iremos parar com esse egocentrismo e tornarmos-nos “poliamoristas”? Essas são indagações para aqueles que os tiverem lido esses pensamentos.

(história fictícia – 20-11-2009, Dracena-SP)