Olhos Negros

Tem dias em que eu acordo e olho no espelho. Não reconheço mais aquela pessoa que está ali na minha frente, não pelos seus cabelos desarrumados, ou pela maquiagem que falta, não pelo rosto de quem saiu da cama há pouco, mas pelos olhos tristes, olhos diferentes dos que antes eu tinha, olhos tão petrificados, tão partidos, tão mal amados, olhos enganados, cansados, doloridos.

Tão mudados pelo tempo foram esses olhos que agora espiam de perto a mudança que aconteceu. O tempo, afinal, não foi de fato o agente modificador foi o remédio para todas as lágrimas que outros olhos fizeram cair desses aqui. Lágrimas que tanto lamentaram, que tanto se alegraram, que tanto suplicaram. Lágrimas que hoje não fazem mais visitas a estes olhos ressecados.

O que antes era uma passagem para a alma passa a ser agora apenas um negrume, um poço em que não se ver o fim. Não tenho mais problemas em olhar nos teus olhos, não fujo mais do teu procurar, porque sei que não há mais nada aqui para se ver, ao me mirar só verá a escura pedra, que hoje apenas ver o que o mundo revela. Uma pedra sem mar, uma pedra sem terra, uma pedra sem fogo, uma pedra sem ar. Esses são os olhos que vejo no espelho, não são os meus olhos, são os olhos da pessoa que agora eu sou, são os olhos da criança que o mundo transformou.