Eu sempre achei que era vivo
De início, um espelho quadrado, esferas que o circundavam e o faziam um tanto exótico. Via-se um instrumento vivo, capaz de dar vida e se tornar uma vida. Ele mesmo que nem era humano, capaz de ter humanidade? Sim, viver ao lado dele era como viver ao lado da natureza, de pessoas íntimas e até mesmo daquelas que não são e poderiam ser. É através dela que se pode ter contato com o próximo, criando vínculos, superando obstáculos, amadurecimento... Qual o sangue que corre no interior desse objeto? O sangue de alguém que amargou a vida? Muito filosófico, mas uma opção muito válida. O sangue petrificado? Ainda que petrificado, gera fluxo que dinamiza as coisas. Eu diria um sangue metalizado, articulado sem existir ao menos articulações, e, se existir, são articulações que unem outras placas metalizadas de sangue amargo. E porque metalizadas? É um segredo que cabe a cada um desse universo desvendar e rearranjar. Eventualmente, reprogramar essas placas desajustadas, afrouxar e torcer parafusos tortos que compoem esse universo com ampla liberdade de opções.
É uma rede perigosa, entretanto com alto poder de sedução. As aranhas tecem cautelosamente, enovelando os fios, atraindo os insetos. Alguns caem mais facilmente na doce armadilha; outros como que já tivesse havido sofrido uma espécie de seleção darwiniana, escapam fácil; outros nem se arriscam. Para entrar nessa rede metálica, invisível ao nossos próprios olhos, é necessário uma certa dose de coragem. É preciso mergulhar de corpo inteiro. Entregar a alma, pois só integrando a alma ao sangue amargo que escorre por veias elétricas é que se humaniza o instrumento. Mas é também preciso que todos saibam do seu risco. Lembrem-se: a aranha ainda estava presente, ali, só esperando para o bote final. Sairia vivo quem pudesse vencer o labirinto de fios entrelaçados, enigmáticos. Sairia vivo quem conseguisse desvendar a própria alma e ser livre da rede sem sair dela, paradoxalmente. Quem consegue escapar, finalmente entende um pouco mais o sentido das coisas, a verdade das coisas, sobreposta e escondida nos meandros dos enlaces, sempre uma ausente onipresente. Porém, quem não consegue, é tragado pela aranha. Uma digestão cruel, potencialmente cruel... É tragada a alma da pessoa, jorrando apenas o líquido amargo pelas laterais de sua boca.
É agora uma alma perdida no vácuo - imensidão. É possível renascer? Sim, mas apenas se o líquido jorrado ainda valer a pena para criar uma nova vida.. É complicadíssimo. É possível renascer de várias formas... Renovando o líquido por exemplo. Uma maneira eficaz? Sim, você pode renascer mais rápido, mas renovando o sangue, ele se torna cada vez mais amargo e sendo amargo, pode encalhar em alguma veia, depositar-se sobre ela sem seguir seu destino final. E o que acontece? Acontece que você percebe que não valeu a pena ter renascido. Nascer para morrer? Para alguns que querem a vida instantaneizada pode ser uma vantagem. Mas a vida instantaneizada pode ser conseguida fora das lentes, fora dos olhos de robô. Pode ser conseguida com olhos humanos, que corre o sangue do pecado, da maledicência. Corrente elétrica, veemente, eletrizante é essa máquina computadorizada que esconde aventuras e amores platônicos, por vezes contraditórios, emocionantes de serem acompanhados. A perspectiva depende dos olhos de quem vê.
Quem não reconhecer a potencialidade dele, da lente pseudo-humana, é porque ou foi consumido pela aranha, ou vive com sangue fluido, desmetalizado ou pseudodesmetalizado. Lembre-se que vivemos num mundo, pseudomundo de ilusões paradigmatizadas. Vivemos entre o lá e cá, entre nuâncias extremadas, que se desextremadas, geram irregularidades, pseudos. Radical!
Até achava que aqui batia um coração? Aqui bate um coração. Um coração que ainda se restaura através de uma máquina. Aqui batem vastos corações, prontos para cativar novos corações, antigos corações, novas emoções. Batem corações tristes, mas que se alegram ao ver tantos corações batendo como o seu. Aumenta a pressão, revitaliza, cura e serve de molde inspirador para novos corações em batalha. Morrem corações também, ao ver outros corações deixarem de bater em seu viciante descompasso...Batem corações que não suportam a dor de um mundo real-virtual, um coração que entende que o mundo virtual é o mundo real e o real é o mundo o mundo virtual. Batem corações que se sensibilizam com o mundo, mesmo que esse ainda seja tão desmundo, imundo. Mundo mundo, vasto mundo. Mais vastos são nossos corações. Por fim concluo que a nossa sorte é que pelo menos aqui, a eutanásia ainda não foi descoberta...