Dia-a-dia
Saí de casa lá para o finalzinho da tarde e encostei-me numa parede gélida de um prédio de cor luminosa há algumas ruas abaixo da minha. Era fim de semana, e eu queria ver o universo a existir! Desejava contemplar, sentir, apreciar e cheirar cada momento do que são a base de quase mais de metade do planeta, os seres humanos. Pode observar em tudo, bom ou ruim é o que faz o mundo rodar. Vi o menino de aspecto desagradável de mão dada a moça bela, uma reunião de velhinhas a colocar a conversa em dia, um grupo de crianças a correr e jogar bola, a dona de casa a descer a série de escadas com as coisas na mão, dois velhotes num banco de praça a ler um jornal esportivo, uma multidão de jovens sentados no chão do jardim a sorrir, a meretriz na esquina, o homem solitário a tragar o seu cigarro, um homem de pequena estatura que berra dentro do carro irritado com o tráfego, a dona do cabeleireiro a fechar a porta, o rapaz executivo de mala na mão apressado a entrar num restaurante, o sem teto a adormecer no chão a porta de uma loja, uma menina triste à janela do edifício a derramar lágrimas... Tirei da bolsa o meu caderno de escrita usual, era a última folha, a última página de um caderno muito cheio de coisas minhas, tão particulares e tão incomparáveis a meu ver. Contemplei uma vez mais todo aquele dia-a-dia e redigi: « Tanta divergência, tanta vida. Mas a realidade é que não somos todos felizes. »