Despertar
Quando adormeci, não sabia se havia morrido. Todo coração que é feito de palavras é inútil quando se cala. A verdade é que andei perdido no meu desamor, vivendo numa forma de “modo econômico”, subexistindo anestesiado com algo que até parecia alegria. E era tão real que eu quase acreditei em mim. Foi tão cômodo que o coração calado não quis falar, com medo de doer, mas até quem tira férias resolve voltar a viver. Aqui estamos. Eu e meus antigos sentimentos, eu e a obvia transparência dos meus suspiros, do meu olhar distante, dos sorrisos sem motivos, da repentina expressão sofrida, das taquicardias ansiosas, dos calafrios ao som do rádio.
Lembrei-me então de como isso funciona e cheguei à conclusão de que nunca funcionou. Os jogos de amor que joguei sozinho, os outdoors que pintei numa esquina que ninguém nunca passou, as noites fantasiando coisas absurdas demais para serem ditas sem parecer um sonho estranho, nada nunca foi em vão. Ao menos serviram pra me lembrar que elas não servem.
E agora me pego aqui, sentado exatamente no mesmo lugar, falando exatamente as mesmas coisas sobre outra pessoa e não posso fazer nada além de rir da minha pobre sina: Na verdade, não me encantam minhas amadas, nem seus beijos. Vivo arrumando desculpas para amar, pois nasci poeta.
E hoje eu me vi poeta como eu era na hora que eu dormi.