SÉRIE REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS - Parte 2 (Quem é a Prostituta?)

Interessante o conceito atribuído pela wilkipédia enciclopédia virtual acerca do tema:

A prostituição pode ser definida como a troca consciente de favores sexuais por interesses não sentimentais, afetivos ou prazer. Apesar de comumente a prostituição consistir numa relação de troca entre sexo e dinheiro, esta não é uma regra. Pode-se trocar relações sexuais por favorecimento profissional, por bens materiais (incluindo-se o dinheiro), por informação, etc. Ela é praticada mais comumente por mulheres e travestis, mas há um grande número de casos de prostituição masculina em diversos locais ao redor do mundo.

Antes de desenvolver a ideia, me ocorre o notável episódio da absolvição de Cristo Jesus de uma prostituta, registrado nos Evangelhos, a qual estava a ponto de ser apedrejada por seus algozes moralistas, quando Ele interviu. Há muitas teorias a respeito. Alguns dizem que o simples fato de uma mulher caminhar sozinha naquele período poderia representar esse conceito, porém, a meu ver, a reação extremada de seus condenadores sugere que de fato ela era uma comerciante do próprio corpo, o que era bastante comum naquele período e espaço histórico. O que mais me chama atenção no fato, porém, não é esse específico detalhe, mas a postura adotada por Jesus, no sentido de claramente estabelecer que aquela mulher em nada era inferior aos que lhe agrediam. E é precisamente sobre isso, aludindo ao conceito supracitado, que pretendo aqui discorrer.

A prostituição é seguramente uma das práticas mais antigas do gênero humano. Registros gregos, egípcios, mesopotâmicos, romanos, com suas conotações religiosas ou por motivações meramente materialistas, dão comprovação disso. Porém fatos mais antigos ainda sugerem que em épocas mais remotas, em diversas partes do mundo conhecido, meninas se prostituíam numa espécie de cerimônia de transição para a puberdade, o que lhes angariava alguns dotes e lucros.

Obviamente, com o avanço dos tempos essa prática se disseminou, sofisticou-se e adquiriu novos contornos. A revolução industrial foi um marco significativo nesse processo, que alcançou estatísticas aviltantes no decorrer dos tempos e hoje chega a ser um problema de saúde pública e de ordem social por todo o globo terrestre.

Normalmente a prática que se entende por prostituição sugere uma ação mais evidente, exposta e clara no sentido de estabelecer uma troca como meio de favorecimento pessoal. Contudo, isso lança no inconsciente coletivo aquela imagem grotesca de seres humanos se vendendo como produtos em bancas de feiras, ofertando-se vulgarmente pelas movimentadas esquinas dos centros urbanos ou atravessando fronteiras com o intuito de ganhar elevadas somas nos submundos dos países ricos.

Mas, para a contrariedade de uma ótica conservadora, eu digo que a questão é bem maior que isso. A cena descrita acima refere-se a um único capítulo dessa tragédia, que se constitui de inúmeros outros, os quais ficam escondidos nos porões do falso pudor, nas máscaras da dissimulação e na falácia do discurso que atribui outros rótulos para o que lhe convém.

Quando penso em Jesus defendendo aquela prostituta de seus condenadores, me vem à mente a seguinte ideia: teria Ele porventura entendido que os apedrejadores e a apedrejada eram essencialmente iguais? Honestamente creio que sim.

Aqueles que estendiam a mão para sentenciar a mulher encurralada eram hipócritas seguidores de uma religiosidade composta pela mera aparência e pelo apego ao tradicionalismo. Eram fariseus, cujo termo em tempos modernos sugere um sinônimo de falsa piedade e hipocrisia extremos. O próprio desenrolar dos episódios que culminaram na crucificação de Jesus (não considerando aqui suas sublimes implicações espirituais), remete-nos à percepção de que os religiosos da época negociaram sua postura em relação ao Salvador, buscando algum benefício em contrapartida. Os sacerdotes que se prestavam à subserviência romana, os próprios fiéis que só buscavam por Jesus quando presumiam o alcance de algum milagre e até mesmo um de seus apóstolos, que o traiu por algumas moedas de prata, são exemplos claros do que eu chamaria de “almas prostitutas”, o que explicaria a razão porque Jesus não legitimou o ato dos que queriam a morte daquela mulher, uma vez que não eram melhores do que ela.

Trazendo essa reflexão para os tempos atuais, eu lanço aqui uma questão: quem são esses que viram o rosto e torcem o nariz para os confessos vendilhões do prazer? Porventura seriam estes melhores que aqueles? Penso que não!

A realidade moral do presente século impõe um pensamento ditatorial: é preciso conquistar. Desde pequenos somos programados para estudar e alcançar um lugar sob o disputado sol das elites dominantes. Ter dinheiro, sobretudo, nas sociedades ocidentais, significa ter poder, ostentar a primazia, impor uma postura de vitória, que geralmente está associada ao acúmulo de bens materiais. E isso nada mais é do que uma fábrica poderosa e silenciosa de prostitutas em série.

Enganam-se os que pensam que tal estereótipo se limita aos que se submetem à cama. Muitos nem precisam chegar a tanto. Vender a consciência, a liberdade de expressão, o voto nas urnas, o respeito ao próximo e às próprias convicções; servir de marionete nas mãos de quem ocupa o poder para dele se locupletar, negar suas origens étnicas ou assumir o que lhe causa vergonha apenas para angariar algum benefício legal, constituir um casamento ou outra relação amorosa sob a mira de um requisito financeiro por parte do outro - são apenas alguns exemplos de que seja a verdadeira prostituição. Mulheres que pensam na conta bancária de seu pretendente antes de julgar a legitimidade da relação, mães que ensinam suas filhas a somente se envolverem com homens abastados, aquelas que usam de suas atribuições físicas para galgar postos de trabalho, líderes religiosos que transformam seus templos em currais pela troca de recursos, profissionais que deixam de exercer e propalar aquilo que acreditam por entenderem que isso seja prejudicial às suas aspirações financeiras - são igualmente filhos e filhas da prostituição.

Um quadro triste e vergonhoso, que lança o gênero humano inteiro na vala comum da consciência em crise e da identidade em franca decadência.

Talvez a pergunta mais pertinente não seja se aqueles que se dão ao meretrício são ou não dignos de nosso respeito. Talvez a mais necessária das perguntas seja: quem é a verdadeira prostituta e quem são aqueles apedrejadores?

Que o espelho nos responda!

Reinaldo Ribeiro
Enviado por Reinaldo Ribeiro em 25/10/2009
Reeditado em 31/10/2012
Código do texto: T1885459
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