Desacostumar

Eu peço porque me acostumei a pedir, Eu espero porque me acostumei a esperar, Reclamo porque já virou um hábito, Eu culpo porque sou filho da culpa, Eu olho e tenho desejo, A saliva me engasga, Eu cuspo porque tenho vontade, Eu pago e não recebo de volta, Quero entrar e não existe porta, Quero sair e não tenho ajuda, Estou de fora e não posso sair, A coisa está preta, Eu olho e não vejo, Eu escuto e não ouço, Só tem osso, Não adianta pedir, Não adianta esperar, Se eu mesmo não fizer, Ninguém vem fazer por mim, Não adianta cuspir, Não adianta culpar, É assim,

Devagar,

Descendo devagar,

Pois é difícil parar na descida,

A pressa é inimiga nessas horas,

Se não tem jeito,

Então desça devagar.

Não pare,

Não se esforce para parar,

É inútil,

Apenas desça,

Devagar.

Observe o que tem a descida.

Não desça pensando em quando chegar,

Olhar para a descida só aumenta o esforço e apavora,

E de nada adianta,

Em que descer,

De qualquer jeito.

Vem comigo,

Vamos então juntos descer.

Devagar,

Apreciando cada passo,

Cada milímetro dessa descida tão, tão, tão certa.

A hora é esta,

O momento certo e devagar.

Fique tranqüilo, todos irão descer.

Aliás, estão todos descendo,

Só que nós iremos devagar.