Causa e consequência
Se a palavra falada já é passível de má interpretação, que dirá a escrita...
A gente vai aprendendo isso ao longo da vida. Mas aqui no Recanto isso se acentua e muito!
Quantas vezes lemos um texto e o tomamos como um recado pessoal e intransferível? Quantas e quantas vezes escrevemos um texto com determinada intenção ou finalidade mas, quem o lê, enxerga outra coisa? Quantas e quantas e quantas vezes terminamos por magoar alguém sem que quiséssemos nem de longe que isso acontecesse?
Basta pensar em quantos e quais significados podem ter determinadas palavras e expressões, dependendo do repertório linguístico, dos regionalismos e até do estado de espírito que condicionam o entendimento tanto do escritor como do leitor.
A palavra escrita, então, tem se configurado no meu entender como um filho que a gente põe no mundo -- há que se fazê-lo com um apurado e cuidadoso senso de responsabilidade, sob pena de se criar um ser leviano e daninho. Ou falso e dúbio e volúvel, o que de qualquer forma pode vir a causar dor ou desconforto ou ira em alguém.
Esta reflexão me leva a pensar que devemos escrever com todo o cuidado do mundo, examinando por vários ângulos as palavras ali expostas, de modo a tentar perceber quantas e quais interpretações elas podem suscitar. E isto se faz ainda mais premente quando pretendemos fazer uma crítica, ainda que pertinente, ou quando queremos fazer uma comédia, que pode ser lida como o mais corrosivo e antipático deboche. Com isso, velhas amizades podem ser destruídas, amores sinceros podem ser abalados, assim como uma camaradagem nascente pode vir a ser abortada.
O mesmo cuidado deve ser tomado quando lemos um texto. Antes de concluir ou fixar significados e intenções, devemos procurar examiná-lo por todos os ângulos possíveis, deixando de lado qualquer inclinação susceptível ou aguerrida que possamos cultivar, ainda que inconscientemente, de modo que evitemos tomar o genérico por algo pessoal. Ou que tomemos para nós mesmos o pessoal dirigido a outra pessoa. Ou que tomemos uma inocente brincadeira como um ácido sarcasmo.
A não ser, é claro, que tenhamos a inequívoca intenção de debochar, menosprezar ou destruir -- porque há quem tenha, por um motivo ou outro e em maior ou menor grau --, mas aí a questão é outra. Não haverá reflexão filtrada pelo bom senso e pelo crivo cuidadoso da responsabilidade que nos detenha.
Escrever, como todo e qualquer ato, gera uma causa. E toda causa tem consequências.
Ler, como todo e qualquer ato, germina uma consequência. E toda consequência tem uma causa. Resta a nós, leitores, dar aos autores o benefício da dúvida antes de chegarmos a conclusões apressadas.
No campo da política, da religião, do futebol ou de qualquer outro tema que envolva e atinja as coletividades, tanto ao se escrever como ao se ler, há que se levar em consideração pelo menos dois princípios básicos -- nem todo mundo pensa igual e todo mundo tem direito a ter opinião própria. Mas até neste caso seria mais do que recomendável que se evitasse ofender ou menosprezar os que pensam diferente de nós. Penso que sempre haverá um modo de se expressar que não seja um declarado convite à aguerrida e sangrenta discórdia, porque até pra se discordar há que se ser minimamente delicado e cuidadoso, a não ser que haja a intenção de se entrar de sola e chutar o santo e xingar a mãe do juiz e promover a mais bárbara desarmonia.
Liberdade de expressão é fundamental. Mas ela cobra um preço -- o de arcarmos com toda a responsabilidade por aquilo que falamos e escrevemos. E que a Santa Comunicação nos auxilie e guie, porque o mundo e as gentes andam muito necessitados de paz e amor. E isso é uma questão de civilidade e de sobrevivência.