Crise e Crises

(Comentário ao texto "Inversão de Valores", de Roberto Pelegrino)

Amigo Roberto, partilho das suas reflexões a propósito do que podemos chamar, num sentido lato, "crise de valores". Contudo, parece-me que as crises sempre estiveram presentes em todas as sociedades e em qualquer momento histórico. O conceito de crise não é independente do próprio modelo de sociedade que constitui o objecto de avaliação. Ou seja, a realidade social produz aquilo que é objectivamente e produz a sua própria contestação. A sociedade moderna, como nunca na história, é capaz de gerar mecanismos eficazes de crítica, não no sentido de a questionar, mas, pelo contrário, como instrumentos de normalização e legitimação do poder dominante. A crítica à sociedade tornou-se anódina, banal, uma moda. É a própria crítica social que está em crise. O que se ouve mais é a contestação, esta perdeu a possibilidade de provocar o desencanto. Um discurso de denúncia é aproveitado para reafirmar as virtualidades de um sistema que se perpetua. A crítica social deverá ser o primeiro nível a aprofundar, fazendo emergir a sua inutilidade e, simultaneamente, criar condições que conduzam a novas acções de intervenção e participação. A crise pode ser um momento de reinvenção, de criatividade, a abertura a um novo estádio que comece por reflectir que a imediatez e a transparência ocultam outros níveis que é urgente fazer eclodir. A filosofia teve desde sempre essa tarefa, o gosto pelo enigma, pela necessidade de pensar o impensável.

Um abraço do amigo,

Carlos Frazão