Ciranda de letra
Tento escrever e o mundo inteiro habita minha cabeça, mas como é difícil a alquimia de achar o princípio ativo de transpor pensamentos em palavras.
Será que estou enganado em pensar que palavra, unidade simbólica de expressão do sentimento, pode ser igualada a meras manipulações farmacológicas?
E o mundo continua a habitar minha mente e, ainda que tenha disposto um punhado de sons em organização sintagmática, sinto que o mundo está mal desvendado e revelado. Que laboral esforço faço, mas é em vão. Em vão ele é!
Ponho sobre o papel elas, mas feitos cão e gato as letras parecem brigar para impedir-me de revelar meu mundo que até agora só eu desbravo e conheço.
Qual gênio descobrirá o caminho das índias que liga de forma verossímil o sentir e o pensar à expressão horizontal dos mesmos em palavras sobre linhas?
Ingênuas letras, que acreditam traduzir sentimentos e sensações tão grandes! Ingênuas letras, contudo hipnotizantes, pois as conhecendo fica impossível mensurar o mundo e até o sentimento.
Que grades ela usa para nos aprisionar? Quais algemas nos prendem a querer julgar o mundo com elas e por elas?
Meu mundo quer ser descoberto, mas querendo revelá-lo e sem ter descoberto a mística de traduzi-lo em letras, o máximo que consigo é definir uma silhueta, algo parecido com um espectro, um fantasma que não condiz em nada a vivacidade de um corpo vivo.
Ingênuas letras que, ainda insuficientes, revelam o máximo de mim fora do que pode habitar meu pensamento e meu corpo.