Metáfora de um encontro terapêutico

Metáfora de um encontro terapêutico.

Linda mulher!

Habitava um corpo que ia para o mundo como se o tempo não houvesse passado por ele.

O corpo lindo da menina presa que não ouvia o tempo e não sabia que o tempo existia! Presa em si e no deslumbramento de si.

Embora com seus 46 anos de tempo passados, a menina não sabia que o tempo passara e o espelho desta menina via o que queria e não o que o tempo dizia.

Implacável no seu percurso, o tempo não podia ouvir o que a menina queria.

O tempo apenas ia e a menina via o que podia.

O diálogo deste corpo menina confundia aos que a ela ouviam.

Quem é você, diziam?

A menina que não sabia que o tempo existia, respondia que o mundo dos seus sonhos existia e que pesadelos a acometiam tentando arrastá-la a um mundo que não queria, que sentido nenhum fazia.

Apesar dos seus filhos crescidos, o corpo da menina continuava como se o tempo não existisse, e o tempo implacável, deixava sinais que por lá tinha estado.

A menina não via.

Um dia, ela encontrou-se com uma outra mulher, meio bruxa, meio mãe, meio professora, meio ajudadora, de olhos sinceros, de boca suave e de mãos de ternura.

Aquele misto de mulher via o que a menina não via, e então a mulher parou para conversar com ela.

O encontro foi assim:

Menina: Dizem que eu confundo a quem me encontra porque sou uma pequena menina, apesar dos filhos já estarem com a mesma idade minha. Eu me olho e me vejo bela, com a pele suave, cheia de sonhos e desejo de viver. Não sou o que querem que eu seja.

Mulher: Vem cá!

Olhe aqui através de você mesma (uma longa pausa se fez.)

Isso!Disse a mulher...

Nesta fresta que você pode ver...

A fresta é pequenina, mas...

Se apurar os sentidos...

A respiração e...

Prestar atenção,

Você vai ver que alguma coisa te será revelada.

Como a menina confiou, ela confiou (fiar junto) naquela que tinha mãos de ternura, meio bruxa, meio mãe, meio professora, meio ajudadora, de olhos sinceros, de boca suave e de mãos de ternura...

Parou,

Respirou,

E mergulhou bem dentro de si mesma.

Segundos, minutos, anos, se passaram num tempo que não tem tempo, é um outro tempo que não tem relógio e assustada!!!...Viu uma linda menina numa gaiolinha tecida por músculos brancos, líquidos cor de rosa, sobrepostos por outras camadas de outros tantos músculos, e de outros tantos tecidos!

Perguntou à mulher o que fazia aquela menina tão escondidinha naquela gaiolinha.

Mulher: A mulher que tinha visto o que a menina não via, disse-lhe que aquela menina estava esperando que outras e outros, ao redor dela, pudessem conversar com ela e abrir a porta da gaiolinha para, juntos, poderem se conhecer, conversar, trocar, brincar e brigar, compor, desmanchar, produzir...

Menina: Mais um tempo que não tem relógio se passou e a menina conversou com a outra menina, que se juntou com outras mulheres, homens, e histórias e tempos, todas as suas partes que até então ela não conhecia, até perceber que a gaiolinha já estava aberta e que ela podia sair, conversar com os seus outros e voltar quando quisesse.

Percebeu que não precisava mais se esconder, não tinha perigo lá fora, porque havia muita gente ao seu redor, muitas outras companheiras dela mesma. E, neste momento, a menina que não sabia que o tempo existia, olhou para dentro e fora de si e viu sem medo que o tempo havia deixado sinais, mas os sinais apenas anunciavam que muitos outros dentro dela já haviam crescido, mudado, feito, realizado, tido filhos, profissão e, então, se viu mais bela do que nunca.

Hoje, quando sente saudades da menininha ela vai até lá, conversa, brinca, acaricia e depois volta prestando atenção nos sinais anunciados pelo tempo, com o qual já aprendeu a conviver.

A mulher, a menina, e seus outros, ainda continuam conversando.

Jeane Claudia Araújo Lobo

* Eu gosto desta menina e da mulher misto de outras. Gosto do tempo que não é contado pelo relógio e que é um tempo além do tempo. Gosto e gôsto.