Brisa 24
De repente ele percebeu que a vida não é estar numa tarde de domingo todos os dias, ao lado de quem você gosta, ouvindo coisas que gosta. E, naquele domingo, ele disse ao pé do ouvido dela que estava feliz. Ela, é claro, não entendeu tal afirmação, não fazia idéia de como era estar feliz para ele; mesmo assim respondeu que também estava, e ali ficaram, alguns minutos, ele tentando gravar tudo fundo na memória, pra não esquecer depois, ela se sentindo bem por estar ao lado de alguém que ela podia fazer feliz e que a fazia feliz também. Então aqueles minutos passaram e vieram alguns minutos mais, aqueles minutos em que se sabe que o fim dos minutos está chegando, aqueles minutos em que mais se aproveita, mas também se sente mais frágil, respira-se menos, fala-se menos, e dá-se mais prioridade à visão, para que as imagens desses minutos possam ser armazenadas, sem falhas, pelo córtex. Então esses últimos minutos se foram e o que restou para ele foi a ilusão de não ter terminado, a esperança de que em breve estaria ali novamente.
Foi-se o domingo, mas as memórias estavam frescas, a felicidade, o sentimento bom que ele raramente sentia, aquela experiência quase nova para ele, tudo ainda estava muito vivo em sua memória, muito palpável em sua vida. Na segunda-feira ele ainda flutuava, apesar de o dia estar nublado, cinza e ele ter que cumprir com diversas responsabilidades cotidianas. Guardar cobertores, levar o lixo, comprar pão, preparar miojo. Na terça-feira ainda estava bem, já não lembrava do perfume dela direito, coisa normal, nem sempre as memórias são armazenadas conforme nosso bel-prazer; mais uma vez guardou os cobertores, levou o lixo, comprou pão novamente, comeu miojo outra vez, sempre pensando nela, se esforço em lembrar do seu perfume, lembrar das palavras exatas que ela proferiu enquanto estavam juntos; à noite, quando se está mais vulnerável às memórias, tentou projetar em suas pálpebras o que havia acontecido naquele domingo, que ele jurou que não esqueceria, mas começou a se esquecer, em tão pouco tempo.
Na quarta-feira acordou surpreso. Foi tomado de tamanha inquietação, quase que uma tristeza. Não, ele não descreveria o que sentia como sendo tristeza; ainda estava feliz, ainda tinha lembranças do domingo, resquícios do que sentira. Estava, sim, feliz; mas felicidade estava já um pouco ofuscada, opaca, devido às responsabilidades e preocupações cotidianas; mas não se deixou tomar por isso, mais alguns poucos dias e estaria com ela novamente, refrescando a memória e tendo novos fatos para guardar na lembrança.
Pra ele, que tinha experimentado a felicidade poucas vezes, ainda é algo extremamente novo, frágil, essa sensação prolongada de alegria. Ele teme que ela pode acabar a qualquer momento e, da altura em que se encontra, a queda seria brusca demais, dolorosa de mais. Ele pede a Deus para que a Vontade Divina se cumpra, para que ele não sofra mais. Ele sabe bem o que quer, mas se não for o que Deus quer também, ele sabe que poderá ter problemas grandes; então ele repete todas as manhãs pela janela, sete vezes por pura coincidência, esteja o dia ensolarado, ou nublado, ou chuvoso, ou nem haja dia ainda, como ele vira num livro uma vez: que seja doce. Mas não basta ser doce, então ele diz, para complementar: que seja doce, conforme a Sua vontade. E só então ele tem paz e força para esperar os dias passarem até a próxima tarde de domingo.
William G. Sampaio [17/9/09]