Alterações

Não existem mais as flores do passado. Restou o entulho de lembranças.

O que sobrou de uma longa temporada de viagens foi apenas o resultado. Resultado, este, que hoje esculpe quem eu sou, irrefutavelmente, mais tarde um resíduo há de plantar neste chão: aquele quem eu serei, aquele quem colherá. Temo neste futuro não ter mais coração, temo enquanto me permanecer vivo, perder aos poucos a capacidade de rezar por boas vindas, afrontar as alegrias, despejar pela garganta o clamor pela vida. Por instantes de um dia completo, sinto uma tremenda carência que não há neste ou em outro corpo uma cura saciável. Perfumes estranhos, odor das marcas que ficaram, a degustação pecaminosa que restou, tudo me incha, entretanto, apenas me inflamam e depois se esvaziam, sobrevivendo apenas as minhas cifras. Que contanto, me guiam. E vou mergulhando em outra viagem. Basta a pauta para louvar a loucura.

Em cada passo semeio rosas, brancas e também as vermelhas, para ser seguido pelos meus atos, não pelos meus fatos. A quem me segue apenas um aviso: moro em um poço. Um poço de cores inexistentes, de sonoridades fluentes dos aromas intangíveis, sabores que lembram nuvens ensopadas com a luz do sol. Descanso em meio à guerra, numa pequena paz reluzida nos olhares de quem roga esperança, na alma do soldado crente a realizar um sorriso de uma criança, numa face atropelada pela tristeza. Alimento-me de tempestades, porque creio no caos supracitado pela paz, rezo a cura para a contundência da amargura.

Sou feito de leveza, cansaço, ferida e ausência. Sou cura para ombros, sou a incisão nos pulsos e também as lágrimas de um pranto. Posso ser do conforto à fadiga, da calma à ansiedade, posso ser o que teu corpo requer. Porém, a certeza que tenho, é a de que sou inundável para a tua respiração, afogo e mato.

Meu amor é completo, seguro e ateu. Minhas sensações são curtas e desprezadas, afixas no momento em que apartam de seus ventres. Meus cantos ficam no momento em que acontecem. Sou de pouco período, sou de mares volumosos. Nasço e morro poucas vezes, mas quando morro é no êxtase, e quando nasço, é na paixão. Minha alma permanece em tudo que é inquieto.

Minha fidelidade é ao ódio, que abençoado por tanta pureza e força, colhe o amor da mais real honra. É o sentimento que jamais injuriará.

Sou tudo, tudo que não possuo.

PR Lima
Enviado por PR Lima em 29/07/2009
Código do texto: T1726049
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