Memórias

Ai que saudade eu tenho daquelas coisas que tem cheiro de afeto, de pureza de criança... Aquela coisa de ficar olhando pela janela um ponto fixo que, aparentemente, é um nada, mas pr’aquele momento é tudo. Saudade do chup-chup de groselha, do bolo de cenoura com calda de chocolate e filmes engraçados a tarde na casa da amiga, das brincadeiras de infância: pega - pega, pique - esconde elefante colorido, telefone sem fio, pique bandeira, queimada, estatua... E a minha predileta, a brincadeira do mês. E as cantigas: Atirei o pau no gato, sem pensar que o gato sofria, mesmo assim a dona Chica e eu se admirávamos com o grito que o gato deu. Alface já nasceu? Não! A chuva quebrou os galhos. Eu sou pobre, pobre, pobre de marré marré marré de si. E o seu rei que vivia mandando buscar uma noiva pra se casar, de tanto escolher acabou sendo escolhido. As risadas na porta do vizinho a noite com as melhores amigas não tem preço, nem hora.

Aquilo tudo é tão bom, faz tão bem. Sim, eu era feliz e sabia. Bateu uma vontade de comer o bolo salgado da vovó. E as moedinhas que vovô dava e ainda dá pra comprar doces. Isso adoçou a minha vida! E não podia faltar Xuxa, queria ser paquita, mas descobri que não podia. Que coisa besta, só porque sou negra. O cabelo amarelo não ficou bonito é que não realçou com meu tom de pele! Decidi só ouvir as músicas e ver os desenhos. Adoro desenhos, músicas e filmes. Quantas vezes chorei perante uma puta cena melosa dos protagonistas. E a canção tema. Ah!

Pica – pau o senhor desenho, cara esperto. Lá vem o chaves, chaves, chaves e eu atenta olhando a TV. Sitio do pica pau amarelo era melhor no tempo da minha mãe, ela dizia. Eu não vi, por isso fico com o do meu tempo e o fabuloso Monteiro Lobato. Meu primeiro livro: A borboleta e a tartaruga, eu tenho até hoje! E as pessoas que fizeram parte dessa minha linda vida, mas que hoje se encontram em um lugar todo especial, sinto falta, choro, mas compreendo. E isso nem é a pior dor. O que dói mais são aquelas que ainda estão nessa vida e não estão nem ai. Eu ainda não desisti, ainda tenho esperança, na evolução do homem enquanto ser humano. Eu acredito num mundo melhor, pra isso não deixei de ser criança. Chocolates, brinquedos, praia, sol, amigos, família, coisa boa de viver. Quer um abraço? Eu adoro abraçar pra sentir o outro coração fazendo Tum Tum. Quer um beijo? Tomar banho de chuva pra lavar a alma, eu sempre digo, mas também desenho sol no chão pra parar de chover. É ritual que funciona. Andar de bicicleta com amigos, correr, cair. Com isso eu aprendi qual é a minha velocidade, o meu tempo. Agora eu me respeito, mas extrapolo isso é bom, consigo sentir o caminho que meu sangue faz aceleradamente, sensação gostosa! Almoço na casa da vovó no domingo era sagrado. E medo de passar no quintal de vovó no escuro. A Deydi tinha que ir comigo sempre. Os meus amiguinhos de estimação: A Pérola, Lua, Estrela, Shopie, Nega, passaram, mas deixaram pêlos.