As Cartas do Baralho...
Estou imersa em minhas lembranças
Nesta noite calma de luar...
Não sei por que, me veio de repente,
Uma vontade de cartas vir jogar...
Olho o Baralho: jogar comigo mesma,
Por certo, não irá me agradar...
Analiso então o velho baralho...
Mais me parece uma colcha de retalhos...
Embaralho as cartas e vou examinando
E algumas chamam mais minha atenção.
Eu penso:
Tu és o Rei de Copas nas cartas do baralho...
Eu, a Rainha de Espadas... (A carta da morte...)
O naipe de Ouro
Não quer morrer...
E o naipe de Paus
Quer, em sua sombra,
Adormecer...
O naipe de Espadas quer matar ou quer morrer...
A noite densa me trás lembranças quase esquecidas
Das cartas do baralho:
A Rainha de Espadas é "a mulher dos olhos tristes..."
O Rei de Copas, sorridente em seu amor...
O Rei de Ouros, orgulhoso em seu valor...
O Rei de Paus é o valente vencedor
E o Rei de Espadas é o grande sedutor...
(Seduz e mata quem cai no seu ardor...)
Das outras, as Rainhas eu não falo...
Poderia aqui, só de passagem,
Lembrar o orgulho da Senhora, grande dama,
Rainha de Ouros,
Que quer todos a seus pés...
Subjuga, escraviza, acorrenta,
Prende, maltrata, grita, às galés
Envia, quem libertar-se dela tenta...
Há tanta semelhança entre as pessoas
E as cartas do baralho...
A vida é o grande jogo. Só lastimo,
A quem guarda cartas em sua manga
E não sabe jogar um jogo limpo...
- Meu Rei de Copas, tu és “a carta”, para mim,
A mais bonita das cartas do baralho...
A mais alegre, a mais doce e sorridente...
(Preciso afastar-me de ti
Pois sou “a mulher dos olhos tristes...”)
Meu Rei: o Ouro não te atrai, nem a rudeza
Das Espadas; és pacífico senhor.
Nem queres ser valente vencedor
Como o Rei de Paus, o lutador...
És todo coração e sentimento...
...Ontem eu fui tua Rainha e companheira...
- Hoje, para meu triste lamento,
Sou a carta da morte, a derradeira...
O grande jogo da vida
Transformou os velhos brinquedos
De jogar cartas nas noites tão tranqüilas,
Na cozinha dos grandes casarões,
No frio das noites de inverno aqui do sul
Onde se ficava à beira do fogão
E a lenha crepitava...
Onde se contavam os pontos com feijão
Ou grãos de milho!... Nunca a dinheiro!...
E os nossos jogos de criança
São hoje apenas jogos “de azar...”
Contravenção... Aquilo era tão puro,
Era uma forma agradável de brincar...
Saudade daquelas noites calmas e serenas
Sem televisão, sem internet...
Saudade da família reunida,
Do namoro com hora marcada
E, sempre por perto, uma tia tricotando...
Era o tempo onde “pegar a mão”
Era uma coisa longa e demorada...
E para a gente se beijar, então?
Tinha que ser de uma forma bem roubada...
E era dito em alto som:
- É hora de parar de namorar!...
É tarde! Está na hora de deitar!
E a gente obedecia a contragosto...
Mas com os pais não se usava retrucar...
E agora, em minhas nostálgicas lembranças,
Querendo nelas ficar a noite toda,
Olhando o Rei de Copas no baralho a sorrir,
Lembro e obedeço: está na hora de deitar...
E, com a mesma tristeza,
Naquele tempo sentida,
guardo o meu Rei sorridente.
Vou dormir...