Adentro a noite

As cortinas voam prisioneiras nas paredes.

Os móveis, mais sóbrios de que gostaria, por ora me fazem desconhecer aquilo que estou. Ando sobre pisos reluzentes até chegar a maciez dos tapetes cujos desenhos orientais não me lembram de coisa alguma.

Na abstração das paredes chego a uma concretude sem o charme para que me apegue.

Vou tentar me assegurar de mim pelas bordas bordadas das minhas rendas irritantes.

O lustre pende seguramente sobre minha cabeça.

Aquele tom severo que ultrapassou meu sofá e invadiu minha alma, há tempos me incomoda.

Sempre penso que amanhã acabarei com a ligação entre sofás e alma.

Não sei se o dia está pequeno ou se cresci além e não caibo nele.

Uma desesperada quietude toma conta dos meus cantos.

Solidão de mim. Hoje, de alguma forma, abandonei-me a própria sorte.

Como fosse possível, extra corporeamente analiso aquela mulher, o que me restou ser a despeito de planos.

Poderia escapar do meu silêncio que me violenta.

Basta um toque num botão e vozes explodiriam nos meus ouvidos.

Mas minha mente não quer.

Acomodou-se no estado de guerra fria que decretou.

Uma de nós sai viva e a outra que se acomode.

A percepção de que se é um ser formidável tem uma maldade urgente que é caso de vida ou vida.

Sabendo que agonia me aguarda por diversos amanhãs, há a necessidade que eu creia que hoje seja a primeira e a finada vez.

Já me basta o desamparo de hoje, não suporto o dos amanhãs.

A lua está lá, tão velha quanto a certeza da lógica da minha desolação. Ela é tão ela quanto sou eu.

Querem de mim uma história inteira, completa.

A ideia de um começo, um meio e um fim me exaure, não há nada que tenha feito que não tivesse começo, meio e fim.

Cansaço tem sido tão minha companheira que já não sei abrir a porta e mandá-la embora.

Mandala... Vejo uma mandala bem na minha frente e não sinto seu significado além do meu conhecimento técnico.

Só consigo absorver cada etapa da criação. A finalidade se perdeu na concepção.

A analogia é clara como a lua persistente.

Devo ser o desconforto do mágico diante do truque.

Um vazio de ilusões que amargura aquela criança que acreditava em magias.

Cansei de ver a mistura de cores puras.

Logo mais será dia; à noite nos estranharemos até nos reconhecermos outra vez.

Preciso mudar a droga do sofá.