Precipício
Ando de sobressalto em sobressalto sob a falsa capa de uma suposta convicção.
Permito-me a autênticos saltos de fé, passos no escuro fingindo, desejo sair dessa treva, dessa cegueira auto-imposta.
Enquanto mato os sonhos, vendo a alma por uns míseros tostões, só para acalmar o sofrimento, unicamente para me convencer que sou muito mais do que isto, uma sombra, um reflexo opaco no espelho à espera de ser limpo, uma marca no muro do tempo, preparado para ser encoberto pelo esquecimento.
Os vocábulos sempre me soaram vazios, mesmo os que escrevo.
Perante a minha incapacidade de mover a rocha e sair da caverna da minha covardia, afundo-me no fácil conformismo da minha aflição extrema.
Inauguro uma nova noite, à espera que o sono venha e apague a mancha de mais um dia, mais um desastre, mais uma decepção.
Liberto o pensamento à expectativa de liberdade, como se fosse algo que se pudesse alcançar sem um valor.
Enquanto miro o precipício, penduro-me no limite, provando a força do corpo, sorvendo o vento campestre.
A mancha é apagada, o reflexo é de novo transparente e luzidio.