Tem dias que o coração clama por algo novo, algo que nos tire da mesmice. Algo que nos faça sonhar, matutar e falar com os botões. Acordei com um fraco raio de sol adentrando em minha janela e pensei em dar uma bela caminhada na orla do mar.
Afastei as cortinas, e deparei-me com as misteriosa brumas de outono da cidade. Árvores com folhas gotejadas pelo orvalho da madrugada, cheiro de terra molhada e um tímido sol escondido por entre as grossas nuvens escuras. Minha alma foi surpreendida por um acalento inconfessável e eu me disse sem nenhum pudor: Mas, que caminhada, que nada! O dia pede um chá quente, um edredon, um laptop no colo e uma licença permissiva para sonhar.
Olhei novamente para a nostálgica paisagem e me surpreendi com uma estranha criatura cinza e cheia de patas, grudada como um imã de geladeira no vidro de minha janela. Com o que parecia aquele inseto? Uma mistura de aranha com besouro e barata de praia. Teria um nome específico? Não sei, mas cuidei para que os vidros estivessem bem fechados para que ele não pudesse entrar.
Me questionei depois se eu deveria ser mais ecológica ou tratar mais a minha entomofobia. Porém, a vida nos ensina que a sós, podemos ser politicamente incorretos, ser a "rainha malvada" ao invés de "princesinha". Odiei aquele inseto grudado no meio da paisagem de minha janela e senti vontade de dar-lhe uma "maçã envenenada". Porém resolvi perdoá-lo pois, não fosse por ele, mexendo com minhas vísceras, não teria tido a oportunidade de fazer uma reflexão sobre minhas próprias sujeiras decantadas.
Gosto de escrever e quando o faço, apaixono-me por mim mesma. Um ato puramente narcícico. Se Narciso soubesse escrever, ele certamente não teria se afogado com sua própria imagem no lago. Teria se conservado apaixonado por si e seduzido o mundo com sua literatura. Ai, como eu amo os poetas! Mas, só os verdadeiros poetas, aqueles que, como diz Fernando Pessoa, mentem tão completamente que fingem que é dor o que deveras sentem. Gosto também de escrever poesias e de deixar meu coração me iludir com as dores, paixões e solidões que ele mente que sente. Chego a acreditar tanto neste meu fingido coração que, por vezes, sofro e choro como uma poetisa sentida.
Gosto de escutar, liberar e escrever as loucas palavras vãs que vêm de meu coração - pândego sentimental, um bobo sem razão, que me faz experimentar as mais insensatas emoções. Escrevo crônicas, poesias e contos e, neste embalo da alma é que canto e me encontro.
O inseto já se foi. As brumas esconderam mais ainda o sol e agora uma fina chuva cai. Eu, aqui em meu quarto, continuo matutando com minhas letras, dissecando minha alma e divagando com meus botões.