Arca das lembranças
Arca das lembranças
Baús, arcas, cofres de sentimentos e lembranças deviam ser assim:
Acorrentados, apostos imensos e pesados cadeados e por fim numa cerimônia de desfazimento atiraríamos no mais profundo rio, e lá permaneceriam para sempre. Então nosso ser estaria livre, leve, a alma vazia, coração aberto, sem retrocessos, dores, mágoas ou lembranças.
Nunca mais aquelas lembranças. Nunca mais.
A vida não nos brinda com todas as realizações dos nossos quereres. Em muito ela nos conduz, é dona dos nossos atos, e ficamos a mercê de acontecimentos. Logo, baús pesados já não são tão pesados, nem tão pouco naufragados. Por vezes nem baús são, repousam em simples e destrancadas gavetas as nossas lembranças, vivências, aquilo que sabemos ter findado,
passado, mas agasalhamos o bom do lembrar, o memorável, em frágeis cantos.
E quando menos esperamos, numa literal arrumação, um pequeno amarelado cartão, uma carta, um email, uma fotografia e lá se vem em torrentes, saindo das gavetas a vida inteira de volta, ai o que fazer? É sensato o recordar, deixar assolar os cheiros e as cenas, rir e chorar, de alegria, de saudades. Muitas saudades, da boa.
Catarse a parte, isso nos enriquece, renova, mostra o quanto fomos capazes de amar, como somos, fomos aptos ao querer bem, ao gostar, quão foram, são especiais para nós aquelas pessoas, o que influenciaram,contribuíram para nossas vidas, nossas melhoras, acréscimos.
Vale encher os olhos de brilho, fecha-los, fazer nossas viagens, trilhar reminiscências...
Ao retornar de certo nossa alma estará bem. Nesta hora, de mansinho abrimos a gaveta e restituímos lá nossa emérita, singular lembrança. Gaveta fechada, sem chave, perseguimos nosso caminho, prosseguimos na estrada.
Isso nos é essencial. A vida quer que seja assim. Assim será.
Sem chaves, cadeados, arcas e oceanos.
Apenas sutis agasalhos, carinhosos e próximos achados de nós.