Barulho

Havia um barulho em algum lugar, feito uma voz, uma música instantânea, como o barulho de uma bomba, um estrondo. Quando chegava, estremecia o corpo e roubava a calma, deixava a alma trêmula, completamente assustadiça. “Quem estava cantando?”, perguntou-se. Talvez, a voz do fogo, da pólvora, de algum demônio perverso. Decidiu chorar, resolveu entristecer-se. Era pequeno demais, fraco e esperava a morte. Desejava abraçar algo grande, um sentido para os anos que ainda viveria, mas tinha medo, era incapaz. Era medroso, indefeso demais. O mundo lhe assustava, acuava, empurrava-o para o fundo de si mesmo, para um abismo sem luz e sem cor.

Talvez, quisesse desprender-se daquela vida que odiava e abandonar tudo aquilo, desejava ter coragem para mudar, para escapar de todos aqueles desvios. Queria ir direto à felicidade sem ter que sentir a dor, o desprezo e o tédio. Ansiava pelo momento em que iria viver, estava cansado da morte, daquele torpor egoísta que não permite distrações, que preenche sem deixar espaço vazio, que não deixa nenhum espaço para a vida, para uma vida. Desejava estar sozinho, sem ter que conviver ou respeitar. Poder acordar e ficar em silêncio, poder arrastar sua cama para debaixo do sol e apenas esperar. Desejava ter o tempo ao seu lado, como um aliado que lhe aponta onde deve pisar, queria romper expectativas, transgredir diretrizes e desrespeitar, ultrajar e enlouquecer. Queria poder pegar qualquer roupa, qualquer sorriso e conversar com qualquer pessoa. Sonhava em poder ir a qualquer lugar ou até ao mesmo lugar, mas apenas ir, sem ter que voltar. Ansiava pelo instante em que amaria, em que seus pés não mais tocassem o chão, que pudesse apenas respirar. Não queria um amor hereditário que sempre existiu, queria algo conquistado, tracejado e imprevisível. Odiava sentimentos incondicionais, gostava da surpresa, do perigo de arriscar-se, temia o inesperado, mas era essa possibilidade, a de estar errado, que o convencia de que estava movendo-se. Não queria mais emprego, nem dinheiro e nem inimigos. Queria apenas poder estar vivo, sem pertencer a ninguém, sem conselhos ou cuidados. Desejava poder conhecer todas as fantasias que há, todas as histórias criadas e que algum dia pudessem saber o que ele tem para dizer.

Fillipe Evangelista
Enviado por Fillipe Evangelista em 01/06/2009
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