Zumbi

Quando o existir se torna obrigação - pelo simples fato de que o instinto de sobrevivência que nos é inerente nos manter vivo, nos coagir a continuar respirando, ao coração continuar pulsando, o cérebro trabalhando, independente da nossa vontade – não se trata mais de vida, de viver, e também não se trata de sobrevivência, de sobreviver, mas sim, um vegetar, porque tudo perdeu completamente o sentido, de modo que cada passo que se dar, não é nada além de mais um passo, assim como todas as ações, todas perderam o seu significado, a sua importância, são ações involuntárias. A existência se torna involuntária, de tal maneira que se sente aprisionado a ela, sendo a iminência constante da morte, a única esperança, a esperança de salvação, de libertação, a cura para todos os males desse existir inexistente.

Não se tem mais vontade, o indivíduo se recusa a ter vontade, de maneira que não conduz mais nada, apenas é conduzido, se deixa levar pela “correnteza”, na esperança de que está termine em uma enorme cachoeira onde o mesmo possa cair, e se estraçalhar lá em baixo.

Não se tem mais ânimo para nada, as forças vão se esvaindo, o corpo vai sucumbindo. As coisas mais convenientes quando se está nesse estado, são as coisas que destroem, as coisas que matam, pois há apenas a recusa em viver.

Não existe mais pessoa interessante, nem atividade interessante, nada mais desperta o interesse, é tudo tão vazio, tão banal, distante, ausente. Não resta qualquer perspectiva, o futuro e o presente são as mesmas coisas, igualmente ruins. Quanto ao passado, trata-se de um tempo agora distante, uma mácula ou um sonho, que apesar de tudo, o único sentimento capaz de despertar, é indiferença.

Tanto faz dormir o dia inteiro como ficar o dia inteiro acordado olhando para o chão. Nada mais é capaz de despertar sentimentos, sensações. O conhecimento passa a ser inútil, simplesmente não serve mais de nada. As pessoas são sempre vazias, não têm nada a acrescentar, tudo é tão chato, tão entediante.

Não se deseja mais sequer salvação, nem de qualquer mortal, nem de Deus. Na verdade, não se importa nem mesmo com a morte, pois não se fomenta o desejo de morrer, porém, se morrer, não será tão mal.

É como se estivesse em um constante estado de coma, sem sensibilidade, sem ouvir, sem falar, sem nada sentir, sem enxergar, sem qualquer reação, completamente anestesiado, em função da quantidade de sofrimento, de decepções, de ilusões, enfim, pelas quais se passou antes de se chegar nesse estado.

O indivíduo é capaz de pegar uma faca, passar a lâmina da mesma em seu braço, lhe retirando um pedaço de pele, e se colocar a olhar o sangue escorrendo, o pedaço de pele em sua mão, fica por alguns poucos minutos a admirar aquela cena, depois, olha para uma outra coisa qualquer, que possa distrair por mais alguns minutos, um ruído, uma ação, um movimento, qualquer coisa, que nunca irá despertar-lhe qualquer interesse, a qual ele olhará, apenas por pura falta de opção, como se seu pescoço e seus olhos tivessem vida própria, e ele na verdade, estivesse dormindo um sono profundo, de olhos abertos, sem que nunca mais pudesse acordar.

O ser não passa de um zumbi. Devido a nada reagir.

Itaci Silva Camelo

Itaci ISC
Enviado por Itaci ISC em 18/05/2009
Código do texto: T1601515
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