Brisa 19
Caindo novamente. Despencando de uma altura sem medidas. Sentimos o vento nos cabelos; não, não é a liberdade. Durante a queda (mais uma queda) nos perguntamos: “Por que eu pulei, mesmo?”. Um salto na escuridão (ou na intensa claridade?) do Infinito. O que nos leva a isto?
Impossível saber por que pulamos. Mas gastamos os poucos segundos da queda pensando nisso. Caímos. O solo se aproxima implacável; frio e cruel. O mesmo solo de onde partimos. Caímos. Ficamos caídos durante certo tempo. Um minuto; uma hora; um dia; uma noite... Enquanto nossos rostos contemplam de tão perto os átomos que formam a rocha dura e fria, nossas mentes continuam insistindo na questão sem resposta “Por que eu pulei?”.
Mas, depois que esse tempo passa e que nossas mentes se auto-anestesiam do choque, do impacto, do por que, nos levantamos, sem saber o que houve. Restam poucas lembranças da queda, da pré-queda. Na pós-queda, só nos importa levantar e buscar um meio de subir novamente até onde estávamos. E sempre achamos esse meio. Sempre.
Subindo novamente. Galgando até o topo com a força física, mental, sentimental, na velocidade que nos é possível. Pouco a pouco. Sentimos o cansaço; “Ele será recompensado depois”, é o que pensamos. Na escalada, vemos dores, alegrias, nos ferimos, mas, acima de tudo, há a esperança. Quando chegarmos ao topo, haverá uma grande recompensa. Doces ilusões. Subimos.
Alcançamos o topo. Novamente. Finalmente; não há mais obstáculos, não há mais cansaço, a felicidade e a alegria supriram tudo. Só nos basta desfrutar de tudo o que há no topo. Já não nos resta lembrança alguma da queda, da pré-queda, da pós-queda, da escalada... Nada mais importa. Conseguimos. Seremos lembrados sempre. Já estivemos no topo. Só falta instalarmo-nos lá, e pronto. A vida será como sempre quisemos. Alcançamos o topo.
Porém, ao chegarmos ao topo, nos damos conta de que esquecemos algo. Algo está fazendo falta. O topo jaz no vazio. Decerto esquecemo-nos de algo lá, ao pé da montanha. Olhemos. Olhamos; vemos que lá está o que ansiávamos encontrar no topo. Está lá, podemos ver claramente. Acena para nós. Pede para que pulemos. Pede para irmos resgatá-la. Grita-nos, a plenos pulmões, que saltemos para resgatá-la, diz-nos que nos ama, que quer ser feliz conosco. Ponderamos. Fomos tão longe; subimos tão alto. Mas ela tem razão; sem ela o topo continuará vazio. O vento sopra em nossos cabelos; sim, ele traz o cheiro da liberdade. Mas de que valerá a liberdade, sem ela? Pulamos.
Caímos novamente. Despencamos de uma altura sem medidas. Sentimos o vento nos cabelos; não, não tem mais o cheiro da liberdade. Durante a queda (mais uma queda) não vemos mais o motivo do salto e nos perguntamos: “Por que eu pulei, mesmo?”. Fica tudo escuro (ou intensamente claro?) no salto para o Infinito. Caímos. E por escolha própria.
Ao chegar ao solo, sentimos o gosto da cal. Salgado gosto, misturado às gostas de suor por nós derramadas na escalada. Escalada da qual já não nos recordamos mais. Mas, desta vez, enquanto nossas mentes continuam repetindo “Por que eu pulei?”, nossos olhos vêem algo. Um bilhete rasurado, escrito à mão, às pressas. Leiamos. Levantamo-nos, já pensando em subir novamente ao topo. Lemos o bilhete. A grafia, macia, arredondada, nos é conhecida. Porém, devido à pressa, está um pouco tremida. Há muitas rasuras, talvez por hesitação. Lemos.
Lágrimas brotam em nossos olhos. A paixão, ou talvez a mágoa, ou talvez o ódio, queimam em nossos corações. Lágrimas escorrem por nossas faces. Molham o bilhete rasurado. Incrédulos, gritamos. Gritamos em vão. Gritamos pra ninguém, ou talvez para o topo.
Diz o bilhete: “Amor meu. Vida que subiu a montanha em busca de mim. Paixão minha que desapareceste e demoraste tanto em retornar. Cansei-me de esperar-te no topo; cansei de esperar-te ao pé da montanha; cansei de esperar-te, amor meu. Mesmo tendo prometido que esperaria. Cansei-me, querido, de ver-te buscando o amor em lugares excêntricos. Cansei de te esperar. Percebo, agora, que esperava ver-te ao meu lado, não correndo sempre em minha direção. Querido, enquanto te via subindo a montanha, enquanto te via pulando da mesma, percebi que não eras tu por quem eu subiria a montanha, nem eras tu por quem eu pularia dela. Tu és aquele pelo qual eu nada faria. Reconheço teu esforço e espero que sejas feliz. Daquela que jamais foi tua, daquela que cansou de esperar-te”.
Somente a assinatura varia para cada um de nós. Caímos, subimos, pulamos, caímos, levantamos, em busca de um só alguém e esse alguém se cansa e se vai. Cansa-se...
Mas, depois de certo tempo, depois que nossas mentes se auto-anestesiaram da tristeza, da mágoa, ou talvez do ódio e da paixão, decidimos que é hora de procurarmos a felicidade. E algo nos diz que ela jaz no topo da montanha...
William G. Sampaio [18/12/2008]