Brisa 18
Ah, Deus. Começar um texto assim, desse jeito, além de heresia, é apelação. Mas você não está com a cabeça para isso, não é? A noite foi daquelas. Você, tão empolgado, em meio aos outros, tão feliz por causa de um olhar e um sorriso, tão radiante, nada poderia acabar com esta noite. Ao menos era o que você pensava. Mas algo sempre acontece com você, algo mínimo e, por menor que seja, sempre consegue te deixar mal.
A noite estava perfeita, até estrela tinha; você nunca tinha visto uma Lua tão grande como hoje, a noite mais poética do ano, diziam as previsões, e estavam certas, mas mesmo assim, não é mesmo? Você chega em casa, louco da vida, por causa da rotina, dos mesmos prédios, as mesmas pessoas, os mesmos hábitos… E o pior de tudo é que você nem se recorda por que você ficou assim de uma hora para outra.
De súbito se recorda de um olhar, um adeus que não foi dado, um sorriso que não saiu, um comentário, uma lembrança de um tempo atrás, vai juntando tudo e percebe que não foi somente uma coisa que o deixou assim: essa foi só a gota d’água. Toda essa mesmice, essa falsidade, essas mentiras de você para si mesmo, estão te deixando louco. Você se dá conta de que precisa de férias. Não para descansar, pois isso você faz em demasia, apesar de não se sentir descansado. Você precisa, sim, de férias, para extravasar, uma válvula de escape, qualquer coisa assim. O que você quer mesmo é um riacho, com cachoeira, você e ela, sem pensar na escola, em arrumar um trabalho, em “o que a sociedade vai pensar de mim”, sem pensar em nada; só se perder naqueles olhos castanhos, debaixo daquela cachoeira, parece até que você ente o cheiro da mata em volta, da água caindo…
Apesar da vida estar tão boa, comparada à de tantas pessoas aí fora, apesar de você ter tão poucas preocupações, comparado com o teu velho, apesar da noite estar tão linda, apesar de que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”, apesar de você amar a Deus, você tem a sensação de que tudo conspira, de que todo mundo te olha, esperando e torcendo pela sua queda. Ah, você só queria gritar pela janela, não é? Qualquer coisa, nem que fossem só gritos sem palavras, mas já aliviaria. Ah, Deus...
Mas, logo mais, o ano se acaba, tudo acaba, tudo recomeça, e você esquece por uns tempos todas essas bobagens de futuro, passado e até do presente também. A não ser que você repita o ano na escola; aí, meu amigo, sinto muito, mas você vai sofrer por mais uns tempos. Sofrer à toa, você sabe muito bem, porque se sofrer resolvesse problema, ou pagasse conta, todo mundo iria querer ser açoitado todos os dias.
Mas, logo mais, ela se toca que você é o cara certo, você se toca que conhece um riacho legal, os dois se entendem e aí, meu amigo, você vai estar perdido. Sim, perdido. Perdido naquele par de olhos castanhos, tão profundos, de onde você jamais vai querer voltar. Ah, Deus... (Encerrar um texto assim é pior do que começar um?).
William Guilherme Sampaio [16/11/2008 00h02min]