Brisa 4
Breve Prefácio:
O texto à seguir é um dos que eu gosto de classificar como "brisas", pelo fato de não saber como classificá-los, aderindo, também, à gíria local de meu estado "maior brisa".
Sem mais,
o autor.
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Às vezes a cabeça esquenta muito. Ferve. Borbulha a 1000ºC. Então você procura uma maneira de esfriá-la. Vai até a praça que costuma ir. Lê aquele velho livro que quase sempre o faz rir. Respira o ar gelado da noite, aquece-o no interior recôndito dos pulmões e se distrai com a fumaça expirada.
Enquanto caminha pensa em como você chegou a esse ponto. Pensa em por que você não fala as coisas “na lata”, como todo mundo faria. Joga em sua própria face a verdade: você ainda se importa. Nega, ri de si mesmo, mas no fundo sabe que se importa.
Depois você pensa no que teria acontecido se tivesse escolhido outro caminho... Pensa que, a essas horas, em outros tempos, já estaria fumando o segundo cigarro e tomando a terceira dose de conhaque. Mas você se lembra que não precisa mais disso. Tem dentro de si o Consolador. “Mas, então por que diabos ele não me consola?”
Você se senta no banco, logo embaixo do poste vermelho. Por um minuto, perde-se em um devaneio, observando a luz amarela do poste em contraste com o verde da folhagem típica da velha praça. Pela enésima vez você se pergunta se o arquiteto que a planejou pensava em dar esse efeito com a luz, ou se teve sorte. Voltando à realidade, você olha o céu. Vê as gotículas de água caindo da imensidão acinzentada do céu nublado e noturno. Sopra mais uma tragada de ar gélido em forma de fumaça e sente dentro de si o vazio. Já te prometeram mil vezes que esse vazio iria desaparecer, mas ele insiste em ficar dentro de você. Apenas vazio.
Então você tenta se dedicar à leitura do velho livro que o faz rir. Mas hoje ele parece tão tedioso quanto você. Aí, ao som dessa palavra na sua cabeça, você se recorda do diálogo de poucos minutos atrás. Tedioso. Já o chamaram por muitos adjetivos desagradáveis, mas tedioso jamais. Não se acha tedioso. Não entende o fundamento de tal afirmação.
Você resolve voltar à caminhada. Enquanto sobe a antiga avenida, você observa distraído os néons queimados dos bares. Então, sem mais nem menos, outra afirmação do diálogo volta a te perturbar. ”Quando não tiveres o que dizer, cale-se.”. Não consegue achar a verdade em tal frase. Desde que se conhece por gente, você gosta de falar. Sobre tudo. Desde muito antes de estar ali, você já vivia em rodas de conversa de pessoas mais velhas. Sempre achou muito útil falar. Então, do nada, vem alguém que mal sabe algo sobre você e manda você se calar. Mesmo sem ter o que dizer, você sempre achou um motivo pra falar e se calar não é uma boa idéia.
Passa por sua cabeça as inúmeras respostas que você poderia ter dado. Uma mais ignorante do que a outra. Você ponderou demais, na hora do diálogo. Poderia ter deixado as palavras fluírem; afinal, elas nunca te deixaram na mão.
Você está quase chegando ao ponto de onde partiu, quando pára e encosta num muro qualquer. Outra vez passa por sua cabeça a idéia de acender um cigarro. Aí você faz questão da falar para si mesmo, em voz quase audível, que não precisa mais daquilo. Você repete em voz alta, pois precisa se convencer disso a cada dia. Pela última vez, você bufa, expirando mais uma onda de fumaça gélida. Pensa que não resolvem nada essas caminhadas, esses momentos à só, esses devaneios. Mas, por outro lado, mais tarde você sabe que vai meditar naquilo e chegar a uma boa conclusão.
Por agora você conclui que ela não merece, sequer, suas lágrimas, suas lamentações. Ela não merece nem o seu desprezo. Aí você volta para de onde saiu e se surpreende ao ser recebido com um sorriso. Mas logo você percebe que é um daqueles sorrisos que passam nos comercias de creme dental na TV. Um sorriso ensaiado. Falso. Forçado. Mas você não se decepciona. Esperava aquilo, afinal. Então, para parecer gentil (e também para pagar na mesma moeda) você retribui o sorriso. Da mesma forma que o recebeu, é claro.
No fim do dia, você repousa sua cabeça no travesseiro, faz sua oração de praxe e não demora muito e a imagem dela volta à sua cabeça. Mas você não consegue sentir ódio. E o seu dia termina com uma pergunta: “Será que eu ainda tenho aquela garrafa de conhaque?”.
William G. Sampaio [15/03/08 23H57min]