Fomos heróis.
Fomos heróis. Em noites barulhentas, ensurdecedoras.
Em camas imundas, em bares lotados.
Fomos heróis e com orgulho contamos nossas epopéias.
Fizemos faculdades e esculturas em argila.
Amamos ao próximo. Amamos incondicionalmente. Amamos. Amamos. Amamos...
Brigamos. Batemos, apanhamos.
Por anos e anos.
Pintamos a cara e experimentamos o torpor.
Deitados eternamente em berço esplêndido. Deixamos o mar nos navegar.
O mar e o banho de mar.
Fomos heróis.
Fomos, fui, foi, não mais o somos.
Carregamos o peso do mundo em ombros frágeis cobertos por jaquetas rotas.
Agora, calejados e profundos, diante de um espelho amarelado pelo tempo, contemplamos a própria fotografia.
São uns olhos fundos, vincados, cabelos parcos, sorriso parcimonioso, um brilho fosco em olhos de vidro verde.
Não são sinais da idade se apresentando. São marcas da guerra, despojos de uma vida.
Da vida que vivemos e que fomos heróis.
Fomos heróis.