Você é um estranho?
De repente ficamos assim neuróticos, medrosos e nos sentimos só. O mundo não gosta da gente.
E tudo começou bem cedo, quando mamãe falava para não confiar em ninguém que não conhece. Não soltar a mãozinha, saber falar os nomes dos pais, decorar o telefone de casa, se possível, o endereço.
Crescemos e a história continua, cartão de crédito é de uso pessoal e intransferível, não mostrar a senha pra ninguém, não confiar em estranhos, não aceitar ajuda, a noite não abrir o vidro do carro, não conversar com pessoas estranhas nem pedir ajuda, e você está sendo filmado o tempo todo.
Não encostar no corrimão, limpar a tampa do vaso, não beber água da torneira, não emprestar suas coisas pra ninguém, se for ao banheiro não deixe o seu copo na mesa, alguém pode te envenenar. Jamais dê ou aceite carona para/de alguém que você acabou de conhecer, não fale aonde mora, nem o que faz, nunca se sabe.
Foram criadas então personalidades, pessoas que não se abrem, que não sabem conversar, alguns violentos outros muito passivos. Pessoas neuróticas, mundos particulares, suicidas. Todos estranhos, os mesmos que tememos. Estranhos de nós mesmos, e agora? Em quem confiar.
Outro dia no supermercado a pessoa que estava comprando na minha frente pediu que eu arredasse para trás para que ela colocasse a senha do cartão. E com a mãozinha cobriu os números fazendo com que assim eu não tivesse a mínima chance de descobrir a senha.
No apartamento onde moro em Londres alugo um quarto para uma garota brasileira. Quando estamos em casa ela não sai do quarto. Se escuta movimentos na casa também. Quando nos encontra a primeira coisa que pede é desculpa e outro dia perguntou se podia usar a cozinha enquanto estávamos por lá. Ótima garota, outra vítima do mesmo mal.
No meu trabalho já me falaram que não estou ali para fazer amigos, e sim dinheiro.
No metrô uma vez uma linda garota me perguntou o que queria, se podia me ajudar, isso porque eu apenas olhei em sua direção.
Estranhos irreversíveis com mania de perseguição.
Criadores de outros estranhos irreversíveis do amanhã.
Nós mesmos.