Decifra-me ou te abandono
Se um dia todas as palavras me fugissem, me largassem a toa, nem de longe ressoassem me assoando pra longe e me deixando órfão de verbo, de contexto, de substantivos, de sujeito, predicado, frases em aspa. Me sentiria sem palavras e acabaria repetindo as únicas que me restassem, ou ficaria mudo com pensamento estático, completamente um nada encefálico, olhando ao redor como um novo aprendiz de coisa nenhuma, um dom Quixote de histórias incontadas, uma Carochinha sem memória, um livro em branco, uma imaginação nula, apagada, sem inspiração ou expiração, morta. Seguiria como um lavrador, no desespero de pegar a pá pra cavar, cavar, cavar, em buscas de letras que se juntem em significância, pra que nessa escavação encontre mais letras que se unam formando novas palavras, para assim, nomear novos objetos, traduzir novos sentimentos, acoplarem-se em frases e assim escrevermos novos mundos, novos pretextos e trechos do que a gente almeja. Que não fujam, que não me deixem abandonado a mercê da inconsciência, da queda em abismo transparente e de frente ao nulo, que venham comigo e me façam construir toda essa quimera textual, toda essa vontade única da palavra, que possamos fazer até mesmo do seu abandono o decifrável.