NÃO SEI DOS OUTROS

Não sei dos outros, só de mim.

Sei onde as palavras nascem e se impõem á minha vontade, dum jeito todo delas, que quase sempre é maior que as minhas escolhas. Sei da surpresa que sobrevém, na leitura, ao ver o formato que as palavras tomaram para passar adiante as idéias que as fizeram nascer. É como ler outro autor desenvolvendo um tema que eu escolhi. O tema é-me familiar. A forma que o veicula, não.

Talvez isso ocorra porque as palavras são o sangue do momento, correndo espesso nas fúrias e aguado no sentimento. Exatas na concisão necessária, e difusas na abrangência preparatória a um determinado estado de espírito. Penhores, quando promessas, mas livres por nascimento. Tendenciosas ao persuadirem, e reveladoras quando confessam.

No que me diz respeito, até as ausências formam palavras. Cruas, quando apenas revelam faltas. Necessárias, quando abrem um espaço, e uma pausa para discussão. Fatais, quando inocentam mas não convencem. Cruéis, quando maiores que o necessário.

E há também as presenças, nas palavras. As vozes dos outros explicando tão bem o que quereríamos dizer com palavras nossas, que não adianta nem tentar encontrar formas melhores de fazê-lo e dizer isso mesmo.

Talvez seja aqui que acontece o poeta. Aquele que aparece com o enfoque sensível que queríamos que fosse nosso, e traduz em palavras maravilhosas as emoções que ainda só conseguimos expressar de formas mais rudes. Emoções que ainda verbalizamos mal, mas das quais conhecemos o potencial de beleza, apenas ainda inalcançado.

Nesse sentido, é um ladrão, o poeta. Porque pega o momento para si mesmo, extrai-lhe a beleza que lhe encontrou, e congela-a numa outra escala de tempo, onde ela para sempre existirá sob esse formato enaltecido que agora é dele, marcado com seu ferro pessoal, revelado aos outros, mas negando-lhes a autoria.

No entanto, a esse instante de beleza eternizada, repercutido em muitas sensibilidades, somam-se muitos outros instantes, nascidos de tantos outros poetas que congelaram uma miríade de momentos só seus. E, nesse sentido, o Poeta já é um multiplicador, dando aos outros uma base que eles tornarão sua, e que os estimulará para as suas próprias interpretações do belo.

Por isso a Poesia progride como uma onda de beleza inescapável, movimentando-se com inércia própria num percurso jamais repetível, que deveria direcionar-nos para uma pergunta de extrema humildade:

- é o poeta quem faz a poesia, ou será que apenas a persegue?

Eu não sei. Não tenho a respostas. Um dia copiei á mão um poema e guardei-o. Muito tempo depois mostrei essa cópia a quem o tinha escrito, para que soubesse como o havia tornado meu, e como fazia parte dos meus guardados favoritos, apesar de saber que não fora escrito em minha intenção.

Com isso prestei a minha homenagem ao momento tão lindamente imortalizado, mostrando como me tocara e como lhe dava continuidade.

Hoje, eu escrevo prosa. Amanhã, veremos.

Nov de 2008

Henrique Mendes
Enviado por Henrique Mendes em 27/11/2008
Código do texto: T1306296
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.