Falar é uma arte, também...
(Escrito em 29/10/2008)
Quarta-feira. Meio de semana...Programação de televisão de tarde? Mais ou menos, mas eu nem dou bola. Sempre tenho algo para ler/fazer/escrever/estudar enquanto o próximo cliente não chegar. Adotei como regra de vida nos últimos tempos a máxima "O que, eu me preocupar?", em tudo que não se relacionar com contas a pagar, família, amigos íntimos ou trabalho. Por isso, qual não foi a minha surpresa em ver uma grande amiga chegar, no meio da tarde de quarta-feira, esbaforida e preocupada comigo, despejando um discurso nervoso que deveria ter me ouvido mais, que não havia notado que eu estava mal, etc, etc... Passados os primeiros cinco minutos (ou seja, quando ela finalmente parou de me sufocar num abraço mata-leão e me deixou falar), consegui perguntar qual o motivo de tanta preocupação... E notei, entre o riso e um sentimento de profunda culpa, que ela havia lido o que andei publicando...Sem se dar conta de que, muita coisa ali escrita e não datada, era da época que eu estava exorcizando o "falecido" da minha vida.
Ou seja, sem querer (e por não me lembrar de por a data na maioria das coisas que escrevi) eu estava passando para os outros a imagem de garota-propaganda da depressão devido a uma desilusão amorosa. Ao me dar conta disso, não sabia se ria ou se ficava séria...Mas nem deu tempo de escolher, pois antes que eu piscasse, já havia recebido o tratamento de choque padrão da Confraria das Revoltadas... E só quem já teve um tracanaço do chocolate enfiado na boca, sabe o quanto é difícil mastigar, falar e engolir ao mesmo tempo.
Confesso que, enquanto engolia o chocolate, miraculosamente quieta por estar de boca cheia, parei para pensar no quanto passamos de nós mesmos nas linhas que escrevemos...
Normalmente, eu sou super na minha. O tipo de mulher que todo mundo vê contando uma piada, não chorando pelos cantos. Quando me desiludo ou estou triste, escrevo, não fico falando aos quatro ventos ou reclamando da vida. Acho que, por isso, o choque de minha amiga foi maior ao ler o que eu havia escrito... E lá fui eu mostrar para ela os cadernos sovados onde as tais poesias que tanto a apavoraram estavam escritas, para provar que eu não estava me escondendo pra chorar embaixo do chuveiro, como ela imaginava. Finalmente convencida, a minha amiga num primeiro momento me xingou, dizendo que eu deveria falar mais sobre o que se passa na minha cabeça e escrever menos...Antes de me dar outro abraço mata-leão e aceitar que isso é improvável, me prometendo que, de agora em diante, passará a falar um pouco menos de si mesma e perguntar como eu estou me sentindo.
É por isso que eu adoro os poucos amigos que eu tenho nesta vida...O fato deles me aceitarem como sou e, ao mesmo tempo, tentarem me ajudar a ser uma pessoa mais falante no quesito "vida privada e sentimentos devastadores." Afinal, sou boa ouvinte, mas falar de mim em um nível mais deprimente, num tete-a tete... Não consigo. Prefiro escrever...Desde menina.
Costumo falar sobre o tempo, o dia-a-dia, meus escritos, a última bagunça que os gatos fizeram, o último livro que eu li...Mas reservo as minhas lamúrias, meu sofrimento egoísta de desiludida aos meus textos e aos ouvidos do meu analista, que é pago pra ouvir neurose mesmo. Será que eu estou errada? Não sei. Mas antes que alguém me diga: "Que amizade é essa, sem confidências?" Existem confidências sim, mas geralmente são mudas.
Quem me conhece bem, sabe que quando eu estou triste, não consigo esconder o que sinto em meu olhar. Como meu pai e uma outra amiga minha já observaram, boca fica rindo, mas os olhos são uma tristeza de dar dó, no melhor estilo cachorro pidão. Mas, na loucura do dia-a-dia, nas tempestades que todos atravessam e no meio de suas próprias crises, quantos de nós conseguem realmente prestar atenção no que os olhos de alguém estão falando, enquanto a boca sorri, nos convencendo de que tudo está bem? Sejam sinceros...
Sorte que, às vezes, ocorrem coisas como o fato de minha amiga ler meus textos e se dar conta de que a fortaleza aqui tem lá suas fraquezas e alguns muros trincados. Que pessoas muito fechadas, às vezes, precisam de um certo estímulo (aliado a muita confiança e carinho) para transporem em sentenças orais o que fazem apenas na escrita. E, embora tenha tido alguma dificuldade, falei para ela o que anda passando na minha cabeça...
Afinal, estou bem melhor, mas o exorcismo ainda não acabou de todo. Recomecei do zero, mas ainda tenho muita coisa pra pensar e redescobrir sobre mim mesma. Muitas das poesias, ainda escritas nos cadernos, são feridas semi-abertas, que aos poucos cicatrizam, e das quais ainda é difícil falar. Mas, com calma, paciência e jeito, acabei conseguindo inverter os papéis e falando, ao invés de ficar ouvindo... Entremeando dor e humor, riso e pesar, desilusão com esperança, tristeza com alegria...Tudo junto, ao mesmo tempo... Foi então que mostrei a minha amiga a minha "carta de alforria", que já fora publicada.
Hoje não sou mais assombração e sim assombrada... E, talvez, por isso, seja meio irritante falar sobre o assunto. Não gosto de falar sobre o "defunto"... Mas, pro bem da amizade, engulo o chocolate, respiro fundo e resolvo contar a razão de algumas linhas mais amargas, que ela não entendera por completo...Antes de admitir que tem coisas que é melhor deixar quieto, até que eu possa sozinha exorcizar.
E entre mates, chocolates e muita conversa (onde milagrosamente, eu fui a que mais falava) eu vi a tarde passar. E antes de sair, minha amiga me deu outro abraço mata-leão, prometendo, mais uma vez, que ia me ouvir mais daqui em diante...Quando eu quisesse falar, lógico. E acrescentou que, por via das dúvidas, ia ficar mais atenta aos meus olhos... Mas, de modo geral, posso dizer que foi uma tarde interessante... Afinal, toco a muito tempo a enfermaria da Confraria da Revoltadas, mas foram raras as vezes que eu me deitei na maca, me revoltei e verbalizei o que estava me roendo. Saber ouvir é uma arte...Mas conseguir se fazer ouvir, sem encher os ouvidos dos outros com lamentação inútil, daquelas que fazem as pessoas pensar intimante "Cresce, droga!!", não é uma das coisas mais simples do mundo. Mas, com um pouco de esforço, a gente consegue um meio termo.
É só praticar um pouco de auto comedimento e tomar um chá de "simancol" de vez em quando... Falando nisso, licença que eu vou encomendar uma caixa Rsrsrsrs.