A arte de ouvir
Hoje, sem me conter, quase pulei na cadeira, um tanto assustada. Nada sério, apenas a constatação de que, uma vez por mês, no mínimo, alguém vem aqui em casa chorar as pitangas, se entupir de chocolate e sorvete e ouvir música de fossa, enquanto eu fico acuada e muda no canto do sofá, enchendo a cara de café e me limitando a dizer "aham" ou "entendo", enquanto pondero que nada que eu disser vai aplacar a dor ou a raiva que aquela pessoa a minha frente está sentindo.
Bueno, amigo é pra isso, não é verdade? Pra ouvir tudo que tem a ser dito antes de ousar dar um pitaco necessário na situação. Eu, pessoalmente, gosto de ouvir as pessoas...Observar bastante antes de dizer qualquer coisa. Mas confesso que, nas últimas duas semanas, a Confraria das Revoltadas anda me cansando um pouco.
Afinal, tenho meus próprios problemas e não gosto muito de falar sobre eles, na maior parte do tempo. Prefiro escrever sobre eles, transformando-o em algo mais útil que esbravejar/berrar/remoer até me sentir um zero a esquerda, o que me levaria a detonar uma caixa de Bis ou um pote de sorvete em segundos.
Porém, ouvir é uma arte...A ser praticada. Diariamente. O brabo é ficar quieta, sentada, olhando compreensivamente, quando se é hiperativo por natureza. Quando estou sozinha, costumo fazer várias coisas ao mesmo tempo, sem dramas de consciência...Mas,quando se trata de dar apoio aos meus amigos...Aguento heróicamente a vontade louca de de me movimentar. Se vieram aqui em casa pra me pedir colo e ouvido, o que posso fazer além de dar o colo e ouvido? (Tá eu sirvo o chocolate, o sorvete e até coloco a música de fossa, pra ajudar no exorcismo, mas isso não vem ao caso) Em nossa sociedade tão umbigocentrista, é difícil ter alguém confiável pra se abrir...E embora eu não me ache o melhor confessionário do mundo, pois posso dar uma opinião sincera até demais, caso seja necessária - e que nessas horas negras ninguém gosta de ouvir - me sinto honrada das pessoas confiarem em mim dessa maneira.
Em tempos de internet, celular, msn e sei lá mais o que, as pessoas estão se distanciando fisicamente, embora tenhamos a ilusão de que estejam virtualmente próximas. Acho que é por isso que eu mantenho o ouvido e o colo sempre prontos pra acolher, pois sei quanto dói não ter ninguém interessado em te ouvir ou, simplesmente, em te dar um abraço amigo e dizer "Toca a vida que vai dar tudo certo..."
Amigos são preciosidades sem fim. Os verdadeiros, então, se contam nos dedos...Por isso, seja em carne osso ou em bytes, devemos cuidar de nossas amizades. Mante-las. Reaviva-las. Nascemos e morremos sozinhos, mas vivemos em sociedade. E os dois grupos mais importantes que convivemos são família e amigos. O primeiro, por nos servir de origem, ponto de partida, fundamentar nosso caráter e estar unido a nós por laços de sangue. O segundo, por ser fruto de nossas escolhas, forjando laços fortes ou fracos, conforme essas escolhas florescem. Portanto, só posso concluir uma coisa: A Confraria das Revoltadas continuará em funcionamento enquanto eu puder tocar a enfermaria dela...Seja apenas ouvindo e alcançando o lencinho ou servindo mais uma rodada de sorvete. Mesmo estando cansada. Afinal, amigo que é amigo, não é só pra hora boa. É pra estender a mão quando a gente cai, seja ajudando ou só estimulando a levantar...