Não quero mais.
Hoje, enterrei meus olhos num livro
Para desistir de olhar pela janela do ônibus
Não quero mais olhar para a rua
Num bairro nobre onde seres humanos maltrapilhos
Andam sem rumo, revirando o lixo
Talvez em busca dos restos mais valorosos
Estou cada vez mais próxima
Do santuário que faz de mim um componente
De um grupo restrito e minúsculo
De uma nação onde o ensino não vai muito além
Há dias em que me vejo no espelho
Passo cajal nos olhos
Mas vejo a menina da semana passada
Que com um saco de estopa nas mãos
Sorrindo, perguntou
"Tia, tem um real para eu comprar uma maquiagem?"
Estávamos frente a uma loja de bijouterias
Não daria o dinheiro
Mas outros dariam
Ela entrou e alimentou a vaidade adolescente
Que teima em aflorar escondida atrás da sucata recolhida
Chego ao santuário
Não quero mais olhar para a rua
Mas Salgado e Capa sempre estão lá...
...trazendo a rua até mim.